“O sítio arqueológico Nova Cidade traz uma perspectiva sobre a ocupação indígena da Amazônia que era distinta da que, até então, se acreditava. Sempre se pensou que os indígenas estavam à beira dos grandes rios. E, na verdade, esse material mostra que essa ocupação era mais complexa e ocorria de maneira mais afastada dessas localidades”, afirmou a procuradora da República Ana Carolina Haliuc Bragança durante encontro que marcou a assinatura de termo de compromisso para proteção do patrimônio histórico existente na comunidade Nova Vida, na zona Norte de Manaus, no último dia 24.
Com o acordo, que será submetido à validação da Justiça Federal, não haverá mais impedimento de natureza arqueológica para a regularização fundiária da área por cerca de 3,5 mil famílias de indígenas de diversas etnias como Mura, Kokama, Tukano, Baré e Kulina.
O caso é objeto de dois processos judiciais movidos pelo MPF, um deles iniciado há mais de 20 anos, em 2001. A primeira ação foi motivada pela intervenção indevida na área por parte do governo do estado, que resultou na destruição de grande parte do patrimônio arqueológico que se encontra no local ocasionada por trabalhos de terraplanagem. Após pedidos do MPF, a Justiça Federal determinou à época medidas de proteção do local, como cercamento e colocação de guarita. “Ao longo de 20 anos, o Estado não cumpriu integralmente essas decisões que diziam respeito à proteção da área até o momento em que houve, efetivamente, a chegada da comunidade, em 2018”, lembrou a procuradora.
Após a ocupação pelos indígenas, o MPF entendeu haver um risco ainda maior de destruição do sítio arqueológico e de perda da memória que esse patrimônio poderia representar. Por isso, foi ajuizada uma segunda ação pedindo que a área fosse desocupada. “Após alguns anos, conseguimos verificar que havia apenas uma pequena parcela desse patrimônio arqueológico remanescente e que era possível fazer o resgate dele sem a necessidade de retirada das pessoas”, completou Ana Carolina Haliuc Bragança.
A partir das articulações com a comunidade e outros órgãos como a Defensoria Pública da União (DPU) e da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM), no sentido de uma conciliação, chegou-se ao acordo para o resgate do material, que consiste em três urnas funerárias. “Esse patrimônio poderá ser estudado e oferecer oportunidades de aprendizado sobre a memória dos povos originários da Amazônia, ao mesmo tempo em que a área é liberada para possíveis outras regularizações, inclusive a fundiária”, disse a representante do Ministério Público Federal no Amazonas.
As atividades de escavação das urnas estão previstas para iniciar em 3 de maio e serão executadas de forma voluntária pela equipe de arqueólogos do Museu da Amazônia (Musa), conforme o diretor Filippo Stampanoni. “Eu sou a última pessoa que chegou nessa articulação e posso dizer que estou muito feliz. O trabalho que faremos aqui vai beneficiar muitas pessoas”, declarou. “Viremos para cá com o nosso núcleo de arqueologia e passaremos alguns dias. Será um trabalho coletivo, com a participação de todos vocês”, declarou aos comunitários presentes na ocasião da assinatura do acordo.
As urnas coletadas serão levadas para análise na sede do Musa, que produzirá relatório a ser encaminhado ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Esperamos que esse trabalho ocupe o mês de maio para liberarmos o mais rápido possível”, disse Filippo Stampanoni.
A partir da homologação do acordo, a ação do MPF ajuizada em 2018 será encerrada e poderá ser realizada a regularização fundiária da área, beneficiando as mais de 3 mil famílias de indígenas que moram na comunidade. “Gostaria de agradecer a todos vocês pela confiança. O resultado está aqui, em cima dessa mesa. A terra vai ser nossa”, disse o cacique Raimundo, líder da comunidade, ao discursar aos comunitários.
Fonte: Ministério Público Federal