Em julgamento realizado nesta terça-feira (29), a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) manteve a suspensão das licenças prévia e de instalação do Complexo Minerário Serra do Taquaril, da empresa Tamisa. O empreendimento foi autorizado pelo Governo do Estado de Minas Gerais para ser instalado em área que abrange trechos dos municípios de Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará. A decisão do TRF6 atende a pedido da Procuradoria Regional da República da 6ª Região, órgão de atuação do Ministério Público Federal (MPF) em segunda instância.
A medida segue o entendimento do MPF, que ajuizou ação civil pública em junho de 2022, para que as licenças concedidas para a instalação do empreendimento fossem anuladas, uma vez que não houve consulta livre, prévia e informada à Comunidade Quilombola Mango Nzungo Kaiango, residente na área de influência do projeto de mineração. A consulta prévia é estabelecida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelos artigos 215 e 216 da Constituição Federal.
Em sustentação oral, a procuradora regional da República Zani Cajueiro Tobias de Souza reforçou o impacto direto do empreendimento à comunidade, conforme demonstrado em laudo antropológico juntado aos autos da ACP e também em dossiê de reconhecimento da comunidade. Em recursos, a Tamisa e o Estado de Minas Gerais alegavam que a comunidade quilombola tem dois imóveis – um situado no bairro Santa Efigênia, em Belo Horizonte, e o outro no município de Santa Luzia – geograficamente distantes do sítio locacional do empreendimento, o que afastaria a necessidade da consulta à população.
A procuradora lembrou que a Mata da Baleia, uma das regiões a serem afetadas pelas atividades
de mineração, reveste-se de importância única para a reprodução cultural. “A Mata é onde os rituais da comunidade sempre foram realizados, não sendo raro que o crescimento das cidades force a um esgarçamento do tecido social nas comunidades mais frágeis. Mesmo com tal esgarçamento, tais rituais continuam”, explicou. Ainda de acordo com o MPF, a proximidade do projeto de mineração à Mata da Baleia pode ser comprovada pelas informações constantes no estudo de impacto ambiental, que posiciona as nascentes do córrego da Baleia na área de influência direta do empreendimento quanto ao meio biótico. Tais razões levam à necessidade de manutenção da inatacável decisão do relator desembargador Souza Cruz.
O MPF também defendeu que a realização de audiência pública no processo de licenciamento não substitui a necessidade de consulta prévia, que tem por finalidade colher o consentimento de determinado povo ou comunidade tradicional sobre medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los. Já a audiência tem por destinatários a sociedade como um todo, não trazendo enfoque específico da tradicionalidade e da cosmovisão da comunidade afetada.
Patrimônio cultural e imaterial – Manzo Ngunzo Kaiango é uma comunidade quilombola do município de Belo Horizonte, reconhecida pela Fundação Cultural Palmares desde 2007. Atualmente, é integrada por 37 famílias, compostas por 182 pessoas. Em 2017, ela foi registrada como Patrimônio Cultural Imaterial de Belo Horizonte, após aprovação unânime do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município, e, em 2018, recebeu o mesmo reconhecimento no âmbito estadual (patrimônio cultural de Minas Gerais), pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha). Ambos os registros, municipal e estadual, ressaltaram a importância da atuação estatal para garantir a manutenção das práticas culturais, religiosas e sociais do quilombo.
No dossiê de registro que a reconheceu como patrimônio cultural de Belo Horizonte, as autoridades municipais destacaram “a importância desses coletivos para uma cidade mais diversificada em Belo Horizonte e, principalmente, o reconhecimento das resistências históricas extraordinárias desses coletivos contra processos de desterritorialização, de violência racial, étnica, religiosa e cultural, entre outros processos hostis constituidores da formação das cidades”.
No entanto, segundo o MPF, a Comunidade de Manzo foi surpreendida com a notícia, pela imprensa, de concessão das licenças ambientais para a instalação do Complexo Minerário Serra do Taquaril, sem que lhe tivesse sido feita qualquer consulta, pela empresa ou por órgãos do poder público, a respeito do projeto.
A Justiça Federal de 1ª instância havia negado a concessão da liminar pleiteada pelo MPF, que recorreu ao TRF6, onde obteve a primeira decisão favorável. A decisão desta terça-feira (29) conclui o julgamento dos recursos, iniciado em maio e suspenso por pedido de vista.
ACP 1029068-41.2022.4.01.0000
Consulta processual.
Fonte: Ministério Público Federal