A procuradora-geral da República, Elizeta Ramos, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheça a repercussão geral do Recurso Extraordinário em que se debate a demarcação de territórios quilombolas. Em manifestação à Corte, ela reitera posicionamento do Ministério Público Federal (MPF), contrário à existência de um marco temporal que condicione o processo de reconhecimento e demarcação das terras ocupadas por remanescentes de quilombos. No documento, a PGR pede que o relator do processo, Edson Fachin, submeta a matéria ao Plenário Virtual para que os ministros deliberem sobre a existência de repercussão geral da matéria e desde logo fixem tese rechaçando o marco temporal.
O recurso se origina de uma ação de anulação de processo demarcatório em que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) caracterizou um imóvel rural como pertencente à área de ocupação quilombola. Ao julgar o processo, a Justiça Federal sul-mato-grossense baseou-se no fundamento de que somente as terras ocupadas até a data da promulgação da Constituição Federal (5 de outubro de 1988) poderiam ser reconhecidas nos moldes do procedimento do Incra. O MPF recorreu da sentença.
O parecer de Elizeta Ramos reforça os argumentos apresentados pela Procuradoria-Geral da República em memorial, no ano passado, à luz do recente julgamento em que rejeitada a tese do marco temporal em relação aos indígenas. Ela considera que a controvérsia é de natureza constitucional e ultrapassa os interesses das partes, além de ter relevância social, política e jurídica. “A possibilidade de reafirmação da jurisprudência dominante na mesma assentada em que apreciada a repercussão geral decorre da concretização de entendimento consagrado pelo Tribunal”, esclareceu, ao defender que a matéria exige que seja firmado entendimento vinculante para nortear todo o Judiciário brasileiro.
A procuradora-geral lembra o recente julgamento do Supremo no RE 1.017.365, Tema 1031 da sistemática da Repercussão Geral. Marcado por um profundo debate, o julgamento acerca da existência de um marco temporal para os territórios indígenas levou à construção coletiva de uma extensa tese, com 13 pontos referentes à territorialidade tradicional. No ponto III, a Corte assentou que a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras ocupadas por indígenas não depende da existência de um marco temporal ou da configuração do renitente esbulho.
Apesar de o Tema 1031 ter por objeto os territórios indígenas, Elizeta Ramos lembrou que “tendo em conta a unidade conceitual de povos e comunidades tradicionais há convergência na premissa de rechaçar o marco temporal”. A demanda, segundo ela, tem estrita identidade fático-jurídica com o referido caso e também com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239. Ao julgá-la, o STF reconheceu o direito das populações remanescentes de quilombos a territórios, ainda que a terra tenha sido titulada, devendo ocorrer a desapropriação em vez do afastamento do reconhecimento do território como quilombola.
Tese – Considerando os termos do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e os precedentes firmados pelo STF, Ramos sugeriu a seguinte tese para fixação de tema de repercussão geral: “A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que as comunidades quilombolas e outros povos tradicionais ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição, aplicando-se para sua demarcação a sistemática do Decreto 4.887 e, no que compatível, as diretrizes fixadas no exame do Tema 1031, nos termos decididos na ADI 3.239 e no ARE 1.360.309”.
Fonte: Ministério Público Federal