A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) – órgão do Ministério Público Federal (MPF) – determinou a publicidade do inquérito civil (IC) que apurou a morte do ex-presidente da República Juscelino Kubitschek e do motorista Geraldo Ribeiro. A iniciativa atende a sugestão dada pelo Núcleo de Apoio Operacional da 2ª Região (Naop2), que homologou o pedido de arquivamento no que se refere ao direito à memória e à verdade. A decisão encerrou seis anos de investigação sobre o fato histórico e controverso da sociedade brasileira, contando com a análise de apurações feitas pela Comissão da Verdade de São Paulo e do Grupo de Trabalho Justiça de Transição do Rio de Janeiro.
O IC conclui que a verdade dos fatos é impossível de ser alcançada diante das falhas nas investigações, no entanto as provas coletadas ajudam a elucidar parte história, como a inocência do motorista Josias de Oliveira. De acordo com as conclusões do inquérito, o ônibus da Viação Cometa, dirigido por Josias, não causou o acidente, havendo o processamento indevido de cidadão inocente. “É impossível afirmar ou descartar que o veículo tivesse sido sabotado, ou mesmo que o motorista tivesse sofrido um mal súbito ou sido envenenado, vez que não há elementos materiais suficientes para apontar a causa do acidente ou que expliquem a perda do controle do automóvel”, traz o documento.
Por outro lado, segundo as investigações, é possível afirmar que o regime militar utilizou ações de inteligência para monitorar o ex-presidente JK, trocando inclusive informações sobre ameaças políticas aos regimes do Cone Sul com outros países da região. O documento traz relatos de testemunhas, peritos, jornalistas e pessoas que mantiveram contato com JK. Depoimentos de envolvidos na investigação apontaram contradições em laudos e falhas na análise técnica. “Coletar, sistematizar e valorar todas as provas existentes e disponibilizá-las para a sociedade já é algo que, se alcançado, encerraria, dentro do próprio inquérito civil, a atuação com êxito do Ministério Público”, afirma o procurador da República Paulo Sérgio Ferreira Filho, responsável pelo pedido de arquivamento.
Na decisão em que determina a ampla divulgação do inquérito, o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, afirma que “as apurações realizadas no âmbito do procedimento extrajudicial são relevantes ao resgate da memória e da verdade referentes ao período da ditadura (1964-1985)”. Em relação ao procedimento investigatório criminal, que tramitou em conjunto para apurar suposto crime de homicídio, o PFDC determinou o encaminhamento do inquérito à 2ª Câmara Criminal do MPF (2CCR), a quem cabe a análise da promoção de arquivamento em matéria penal.
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Confira abaixo um resumo dos principais pontos do inquérito:
Fato – Em 1976, um evento automobilístico culminou na morte do ex-presidente da República Juscelino Kubitschek e do motorista Geraldo Ribeiro.
Abertura do Inquérito Civil Público N.º 1.30.008.000307/2013-79, cujo objetivo foi averiguar, sob o prisma do direito à memória e à verdade, o evento automobilístico que culminou na morte de JK.
Diferentes versões
Versão oficial (divulgada no mesmo ano de 1976)
mortes de JK e Geraldo Ribeiro decorreram de acidente automobilístico:
automóvel Opala em que JK se encontrava sofre abalroamento de ônibus da Viação Cometa; o carro do ex-presidente perde controle e atravessa o canteiro central da Via Dutra, invadindo a pista de sentido oposto, o carro colide com uma carreta Scania.
Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog – São Paulo
declara que o ex-Presidente da República teria sido vítima de assassinato, causada por agentes da ditadura. O motorista de JK estaria desacordado e inconsciente antes do impacto, conforme depoimentos. Houve suspeita de envenenamento ou morte por arma de fogo.
conclui que as mortes foram acidentais.
Algumas evidências examinadas no curso do IC:
1. perícias realizadas
no momento do acidente;
para determinar as causas mortis;
após a exumação do corpo de Geraldo Ribeiro;
em fragmento metálico encontrado no crânio de Geraldo Ribeiro após a exumação.
depoimentos colhidos
motorista do ônibus da Viação Cometa;
filho do falecido dono de Hotel Fazenda onde as vítimas teriam realizado uma parada pouco antes do acidente automobilístico;
passageiros do ônibus da Viação Cometa;
motorista que presenciou o acidente automobilístico;
ex-policiais que, à época, compareceram ao local do acidente para prestar socorro;
adido militar no Chile que concedeu entrevista a jornalista supostamente afirmando que JK era um dos alvos da Operação Condor – ação conjunta dos países do Cone Sul em represália aos opositores das ditaduras militares;
médico legista subscritor de laudo de perícia médica na época do evento fatídico.
documentos analisados no IC
Relatório sobre a morte do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, elaborado pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva;
mais de 80 fotos relacionadas ao acidente automobilístico;
laudo de exumação do corpo de Geraldo Ribeiro, encaminhado pelo IML da Polícia Civil de Minas Gerais;
relação dos trabalhadores que laboravam no referido Hotel Fazenda, propriedade de um dos criadores do Serviço Nacional de Informações (SNI), de onde JK teria saído minutos antes do acidente;
cópia de Solicitação de Assistência Judiciária em matéria penal (MLAT) dirigida ao Departamento de Justiça dos EUA, solicitando auxílio para a obtenção de documentos relacionados à morte de JK;
parecer Médico Legal apresentado pelas peritas médicas Talita Zerbini, Raquel Barbosa Cintra e Daniela V. Fuzinato;
petição encaminhada pelo GT Juscelino Kubitschek, formado por pesquisadores que objetivam elucidar as circunstâncias da morte do ex-presidente, sugerindo providências instrutórias.
Conclusões do IC
ônibus da Viação Cometa não teve participação causal nos fatos, isto é, “de forma alguma colidiu ou abalroou o veículo de JK”, portanto, o motorista Josias de Oliveira não causou o acidente;
impossível afirmar ou descartar que o veículo tivesse sido sabotado, ou mesmo que o motorista tivesse sofrido um mal súbito ou sido envenenado, vez que não há elementos materiais suficientes para apontar a causa do acidente ou que expliquem a perda do controle do automóvel
o regime militar de fato adotava ações de inteligência para monitorar o ex-presidente JK, trocando inclusive informações sobre ameaças políticas aos regimes do Cone Sul com outros países da região;
houve falhas severas nas investigações realizadas pelo Estado brasileiro, as quais levaram ao processamento indevido de cidadão inocente, qual seja, o motorista do ônibus, Josias Oliveira;
diante das falhas nas investigações realizadas, a verdade dos fatos é impossível de ser alcançada com as provas atualmente existentes, porém o IC traz conclusões o mais fidedignas possíveis aos elementos probatórios que se pôde angariar;
não é possível comprovar, no momento atual, elementos suficientes de autoria e materialidade de um crime de homicídio contra JK e Geraldo Ribeiro.
Fonte: Ministério Público Federal