Na tarde da última quinta-feira (23), o Ministério Público Federal (MPF) promoveu uma reunião com líderes de religiões de matriz africana, pesquisadores e representantes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para discutir o processo de tombamento da Coleção Perseverança, composta por objetos sagrados que resistiram ao Quebra de Xangô de 1912.
A reunião, coordenada pelos procuradores da República Eliabe Soares, titular do Ofício de Comunidades Tradicionais, e Juliana Câmara e Érico Gomes, membros do núcleo de Patrimônio Histórico e Cultural do MPF em Alagoas, assessorados pelo antropólogo Ivan Farias, contou com a participação de representantes de importantes Casas de Terreiro em Maceió, como a Casa Ilé N´Ifé Omi Omo Posú Betá, de Mãe Mirian, o Centro Espírita Santa Bárbara, de Mãe Neide e a Casa de Iemanjá, de Pai Célio, além de religiosos de outras casas importantes em municípios do interior de Alagoas.
O encontro se deu para ouvir os religiosos alagoanos e compreender como eles se sentem em relação ao tombamento dos objetos sagrados, que são muito significativos para a memória e a cultura do povo de terreiro em Alagoas, e que estão sob a guarda do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL), que tem preservado as peças desde a década de 50. Para o MPF, é importante que a guarda e a exposição dessas relíquias se deem de modo a valorizar e esclarecer sobre a origem delas.
Durante os debates, depoimentos emocionantes foram dados, entre eles: “Os objetos sagrados têm ao mesmo tempo o papel de vetor que embasa nossa memória e nos possibilita construir uma autoimagem de nós mesmos que é fundamental para nossa construção como alagoanos e alagoanas”.
Tombamento – O Iphan prestou esclarecimentos sobre as etapas do processo de tombamento dos objetos pelo Instituto, bem como sobre a possível inclusão do acervo no Livro de Tombo das Belas Artes do Iphan.
As lideranças acreditam que a preservação do acervo deve ser a prioridade e que o tombamento delas pelo Iphan reforça essa importância. Também destacaram a necessidade de estreitamento das relações com o IHGAL, para que haja alguma possibilidade de gestão compartilhada com a comunidade de terreiro de Alagoas.
A restauração da Coleção Perseverança também foi um elemento discutido, sob o ponto de vista ritualístico e de (res)sacralização dos objetos, como uma forma de avançar no caminho do direito à memória, além de possibilitar a criação de políticas públicas específicas para as comunidades de terreiro, já que, segundo os líderes, ‘o quebra’ permanece acontecendo, mas expresso de outras formas.
O MPF definiu como encaminhamento uma reunião com o IHGAL e com o Estado de Alagoas para debater medidas de inclusão das comunidades na programação de eventos do Instituto, como forma de visibilidade e acesso à cultura e à memória do povo de terreiro. Também serão realizadas, pelo MPF, audiências públicas para consulta da comunidade de terreiro sobre os diversos temas que englobam as relíquias da Quebra de Xangô.
Quebra de Xangô – Uma disputa política usou as religiões afro-brasileiras como pretexto. “O estopim desse acontecimento foi uma disputa política entre oligarquias locais do estado de Alagoas. O então governador foi acusado, pela oposição política, de frequentar e apoiar em alguma medida os terreiros. Por conta disso, esses terreiros se tornaram alvo dos opositores políticos, como forma de ataque ao governador”, explicou Maicon Marcante, historiador do Iphan de Alagoas.
Um grupo civil organizado, a Liga dos Republicanos Combatentes, inflamada por um opositor do então governador Euclides Malta, atacou violentamente cerca de 30 terreiros de religião afro-alagoanos, inclusive estimulando populares. A invasão, destruição, saqueamento e espancamento de pessoas, seguiu ainda durante alguns dias na capital e cidades do interior. Uma das principais mães de terreiro, a Ialorixá Tia Marcelina, foi golpeada na cabeça e dias depois do ataque, não resistiu e morreu.
Notícia de Fato nº 1.11.001.000262/2023-20 – Comunidades Tradicionais
Notícia de Fato nº 1.11.001.000266/2023-16 – Patrimônio cultural
Fonte: Ministério Público Federal