O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública (ACP) a fim de reparar danos coletivos de natureza moral e material sofridos pela comunidade indígena Kaiowá da terra indígena (TI) Sucuri’y, localizada no município de Maracaju (MS). Os pedidos têm como fundamento as remoções forçadas ocorridas entre os anos de 1984 e 1997, as ameaças e agressões sofridas pelos membros da comunidade e os danos perpetuados em seus territórios.
Depoimentos de integrantes da comunidade indígena e fontes jornalísticas registram o histórico de violações de direitos manifestadas em ameaças, expulsões, violências praticadas por agentes públicos e privados, perseguições, destruição de bens de alto valor cultural, plantações e mantimentos de subsistência desse grupo.
Os alvos da ACP são a União, o Estado de Mato Grosso do Sul, o Município de Maracaju, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e sete pessoas físicas, além de um espólio, ligados aos fazendeiros que conduziram os processos de remoção dos indígenas da referida área. A TI Sucurui’y foi identificada e delimitada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1993. O relatório de identificação e delimitação foi aprovado em 1995 e o ministro da Justiça declarou a posse permanente indígena da área, de 500 hectares, em 1996.
Entre 1984 e 1986 a comunidade foi removida da área em questão três vezes. Na terceira, os indígenas foram forçados, por pessoas ligadas aos fazendeiros, a subir na carroceria de caminhões caçamba, onde permaneceram por cerca de seis horas sem saber o destino, e foram levados para a Reserva Indígena de Dourados (MS). As famílias permaneceram na reserva, vivendo em barracos de lona à beira da estrada, por aproximadamente dois anos. Foram, então, para um rancho localizado no município de Laguna Carapã (MS), onde permaneceram por mais dois anos e seguiram para Aroeira, em Rio Brilhante (MS), onde ficaram por quatro anos.
Em 1996, então, tomaram conhecimento da cessão da posse da área que habitaram tradicionalmente e reocuparam o local. Os fazendeiros receberam os indígenas com ameaças e tentativas de suborno com dinheiro, gado e objetos de valor. Encurralados, ameaçados e humilhados, a comunidade vivenciou o quarto episódio de remoção forçada, passando a permanecer novamente na beira da estrada por cerca de três meses. Em março de 1997, então, eles retornaram para a TI Sucurui’y, momento em que chegaram a enfrentar resistência policial, mesmo com a Portaria de posse tradicional da área publicada. Resistiram e ali permanecem até hoje.
Segundo o MPF, a negativa de direitos de posse à comunidade indígena Kaiowá sobre suas terras tradicionais, considerando as presentes circunstâncias, teve um impacto potencial de desagregação do grupo enquanto etnia, tanto por meio da assimilação cultural quanto do extermínio físico de seus membros. E, até hoje, não houve qualquer reparação dos danos decorrentes desse violento e ilegal processo de desterritorialização, ensejando a responsabilização dos alvos da presente ACP.
Cumpre destacar que a ACP é uma ação de natureza estritamente cível, mas que os atos analisados neste caso constituem crimes contra a humanidade e, por isso, merecem o máximo repúdio pela Justiça Federal, não só como forma de reparação para as vítimas, mas para prevenir que episódios parecidos sigam ocorrendo no presente e se repitam no futuro. Por isso, são necessárias reparações que permitam o fortalecimento da identidade e da autoestima dos indivíduos e da coletividade Kaiowá; o resgate e o fortalecimento da cultura Kaiowá; e a garantia do direito à memória, visando a não-repetição das violações perpetradas.
Pedidos – O MPF pede, com antecipação de tutela, que União, Funai, estado de MS e município de Maracaju promovam, com a cooperação dos povos Guarani e Kaiowá, (1) a implementação de medidas que promovam a melhoria das condições de vida, de trabalho, de educação e do nível de saúde física e mental desses povos; (2) a implementação de ações e o apoio de iniciativas indígenas destinadas à proteção, preservação, manutenção e desenvolvimento do patrimônio cultural objetivando a sua continuidade e a transmissão às gerações futuras.
Num momento posterior, o MPF pede:
(1) garantir a inclusão do estudo das violações dos direitos humanos dos povos indígenas no conteúdo programático dos estabelecimentos de Ensino Básico;
(2) produzir material didático e promover a capacitação dos professores dos ensinos médio e fundamental sobre o tema das violações dos direitos humanos dos povos indígenas entre 1946 e 1988;
(3) educação em matéria de direitos humanos aos funcionários públicos Federais, estaduais e municipais que atuem no Município de Maracaju, notadamente na aplicação da lei e da efetivação de políticas públicas endereçadas aos Povos Indígenas Kaiowá e Guarani;
(4) pagamento de indenização no valor de R$ 10 milhões destinados a um fundo comunitário, a ser administrado por um comitê composto, de forma partitária, entre representantes da comunidade e representantes dos entes estatais rés;
ACP nº 5002453-59.2021.4.03.6002
Fonte: Ministério Público Federal