O Ministério Público Federal (MPF) obteve importante decisão da Justiça Federal para assegurar a proteção territorial da Terra Indígena Karipuna, em Rondônia (RO). A sentença acolhe integralmente os pedidos do órgão ministerial, nos autos de uma ação civil pública, ajuizada contra União, Funai, Ibama e Estado de Rondônia, em 2018.
Na ação, os procuradores subscritores da ação denunciam que a Terra Indígena Karipuna vem sofrendo constantes danos ambientais em decorrência de invasões, com as finalidades de “grilagem” de terras públicas e extração ilegal de madeiras, com o pleno conhecimento desses fatos pelos entes requeridos.
A procuradora da República Gisele Bleggi, uma das autoras do documento, alerta que, desde a propositura da ação, são poucas as atividades de fiscalização e monitoramento realizadas pelo Poder Público na terra indígena, e essa frequência têm se mostrado completamente insuficientes, pondo em risco a sobrevivência do Povo Karipuna.
Diante da robusta documentação apresentada pelo MPF na inicial, a Justiça Federal confirmou a tutela antecipada, a decisão interlocutória complementar e julgou procedentes os pedidos formulados pelo MPF na ACP. A sentença prescreve que os réus – União, Funai, Ibama e Estado de Rondônia – estão obrigados a implantar plano continuado de ações de proteção territorial da Terra Indígena Karipuna, nos termos que constam nas decisões já proferidas.
A sentença determina, ainda, que os réus apresentem em 30 dias plano de ação continuada de proteção territorial da Terra Indígena Karipuna prevendo a ação compartilhada das Forças Armadas, Polícia Militar Ambiental, Polícia Militar, bem como fiscais da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Ambiental (Sedam) e agentes do Ibama e da Funai, em número não inferior a 15 pessoas, com periodicidade mínima de 10 dias por mês.
O plano de ação deve prever todas as atividades de prevenção e repressão a crimes ambientais ocorridos no interior e entorno da Terra Indígena Karipuna, provendo os agentes públicos de estrutura e equipamentos para realizar a prisão de envolvidos e apreensão de veículos, maquinários e produtos florestais. As reuniões para a elaboração e execução do plano de ação podem ser realizadas diretamente pelos réus, assegurando-se a participação do MPF, devendo juntar aos autos a devida comprovação.
Em relação a esse ponto da sentença, a procuradora da República Gisele Bleggi impetrou recurso (embargos de declaração) visando suprir a omissão do juízo quanto ao detalhamento do plano apresentado pelo MPF na petição inicial. Para a procuradora da República, o plano de ação da forma como foi apresentado se mostra genérico carecendo de detalhamento nos moldes do modelo sugerido pelo órgão ministerial.
Quanto à Sedam e ao Ibama, a Justiça também determinou que promovam auditoria nos planos de manejo e concessões em áreas total ou parcialmente inseridas a menos de 10 quilômetros da Terra Indígena Karipuna, a fim de verificar eventual uso indevido das outorgas para a lavagem de produtos florestais extraídos da terra indígena. Os dois órgãos, segundo a Justiça, devem acostar aos autos relatório circunstanciado das fiscalizações empreendidas no prazo de 180 dias.
A Justiça ainda determinou aos réus que promovam os aportes orçamentários necessários à execução do plano de ação continuada de proteção territorial da terra indígena Karipuna e, ainda, autorizou a Funai a realizar o custeio de diárias dos integrantes da equipe de apoio provenientes de forças policiais ou forças armadas necessários à execução de atividades de proteção da Terra Indígena Karipuna determinadas nos autos.
De acordo com a sentença, os gestores da Funai devem abster-se de utilizarem os fundamentos jurídicos esboçados no Parecer 00063/2018/COAD/PFE/PFE-FUNAI/PGF/AGU como fundamento para o não pagamento de diárias às forças de apoio e, consequentemente, para o não cumprimento dos comandos judiciais prolatados nos autos.
O Estado de Rondônia foi intimado para que apresente, no prazo de 15 dias, prova de cumprimento das decisões, com a auditoria realizada nos planos de manejo e concessões nas áreas que circundam a Terra Indígena Karipuna. A Justiça Federal fixou multa diária de R$1 mil para o caso de descumprimento
De acordo com a Justiça Federal, o conjunto probatório documental acostado aos autos pelo MPF demonstra o cenário de atentados contra a Terra Indígena Karipuna. A certidão e declarações juntadas trazem alegações de diversas práticas criminosas perpetradas dentro da comunidade indígena, como o garimpo, a extração ilegal de madeiras e a promoção de loteamentos irregulares.
Em um trecho da sentença, o juízo declara que “verifica-se dos autos a publicidade de atuações feitas por órgãos públicos para conter o avanço de facções criminosas do ramo madeireiro e da exploração ilegal de loteamentos sobre o espaço territorial indígena. Não obstante as atuações pontuais dos entes públicos, o Estado não tem sido capaz de guarnecer a terra indígena com a segurança necessária”.
Para a Justiça, a proteção à TI Karipuna não pode ficar condicionada à boa vontade do Administrador, sendo imperativo ao Judiciário garantir o direito fundamental de proteção da terra à etnia Karipuna, não se podendo distorcer o princípio da separação dos poderes como óbice à implementação e concreção à proteção do Meio Ambiente e proteção territorial indígena.
Dados – De acordo com o Centro de Monitoramento Remoto (CMR), da Funai, a TI Karipuna esteve, em 2016, no 10º lugar na lista das TIs mais desmatadas do Brasil (CR) e em 1º lugar na lista das mais desmatadas de Rondônia, com cerca de, 25% do total do estado, com 636,60 hectares. Se os números eram graves naquele ano, em 2017 a situação se intensificou ainda mais, tendo a TI Karipuna ocupado o 7º lugar na lista das TIs mais desmatadas do Brasil, mantendo o 1º lugar na lista das TIs mais desmatadas de Rondônia; no entanto com significativo aumento em números absolutos e relativos, ou seja, apresentou um desmatamento de, cerca de, 1.080 hectares, total de 31% do verificado no estado de Rondônia.
Para as ocorrências de degradação (DR) a situação não foi, infelizmente, menos grave. Em 2016 apresentou, cerca de 130 ha de degradação, no entanto em 2017 saltou para 534 hectares, representando a 5ª TI mais degradada do Brasil com 48% de todas as ocorrências de degradação verificadas nas TIs do estado de Rondônia. Os dados concretos apresentados pelas partes retratam uma alarmante realidade de extensivo desmatamento e degradação ambiental, com a invasão das terras indígenas por movimentos criminosos violentos e a periclitação da estabilidade dentro das comunidades.
Ação Civil Pública – Processo n.º 1000723-26.2018.4.01.4100
Fonte: Ministério Público Federal