Em recomendação conjunta, quatro instituições do sistema de Justiça apontaram déficit de participação social no programa do governo federal Abrace o Marajó, proposto pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Para o Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público do Pará (MPPA) e Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE), os instrumentos de governança do programa não permitem a participação da sociedade e violam princípios constitucionais, convenções internacionais e a jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros.
A recomendação enviada no último dia 14 deu prazo de 15 dias para que a ministra Damares Alves, responsável pelo programa, envie resposta para as instituições que consideram necessário que a ministra “adote todas as medidas necessárias, no âmbito de suas competências, para reformular os instrumentos de governança do Programa Abrace o Marajó de forma a garantir a efetiva participação social na concepção dos objetivos do Programa, execução das medidas e monitoramento das políticas públicas previstas”.
Da forma como foi desenhado, o programa Abrace o Marajó só tem a participação com direito a voto de representantes do próprio governo federal. Municípios e o governo do Pará têm participação meramente consultiva. Da sociedade civil, apenas entidades do setor privado – a Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa) e a Federação da Agricultura do Estado do Pará (Faepa) – tiveram direito a participação, também de forma consultiva.
Para as instituições que enviaram a recomendação, “as organizações sociais escolhidas pelo Poder Público para integrar esse espaço deliberativo (Fiepa e Faepa), apesar de relevantes no cenário socioeconômico paraense, são naturalmente pautadas pelos interesses hegemônicos dos atores ligados aos grandes interesses agropecuários e industriais do Estado, de modo que não necessariamente representam os anseios e os projetos de vida de toda a população marajoara, em especial dos grupos étnicos minoritários e outras coletividades vulneráveis”.
A recomendação lembra que são recorrentes as discordâncias entre esses atores do setor privado e as populações tradicionais e pequenos produtores rurais, muitas delas surgidas pelos distintos modos de vida, visões de futuro, projetos de desenvolvimento socioeconômico e relacionamento com o meio ambiente. Para MPF, MPPA, DPU e DPE, o Estado Brasileiro viola os direitos humanos das populações tradicionais e da sociedade civil do Marajó ao impor, por meio do programa Abrace o Marajó, “uma visão uníssona de desenvolvimento, pautada exclusivamente nas compreensões do próprio governo federal e por interesses corporativos e setoriais”.
O atual modelo de governança implantado pelo governo no programa pode criar, dizem as instituições do sistema de Justiça, um sistema de racismo ambiental, com a violação dos direitos de comunidades vulneráveis e “que parte de uma visão preconceituosa e discriminatória calcada na prévia compreensão equivocada de uma suposta irrelevância dos argumentos que poderiam ser trazidos pelos atores e comunidades tradicionais locais”.
Pela recomendação, será necessária a alteração do Comitê Gestor do Programa Abrace o Marajó para incluir, de forma paritária, representações dos governos federal, estadual e municipais e da sociedade civil; a alteração do Grupo Executivo do Programa Abrace o Marajó, para incluir de forma paritária, representações dos governos federal, estadual e municipais e da sociedade civil; a garantia da participação, nos órgãos colegiados referidos, de representantes de povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhas e de outras populações tradicionais do Marajó, bem como de movimentos sociais e entidades voltadas à defesa do meio ambiente e do acesso à terra; e a adoção de procedimentos democráticos e transparentes, que serão acompanhados pelos órgãos de Justiça signatários, para escolha de todos os/as representantes não governamentais no Comitê Gestor e no Grupo Executivo.
Como a recomendação é dirigida a uma ministra de Estado, ela foi encaminhada pela 6a Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, em Brasília. Recomendações são instrumentos extrajudiciais que servem para alertar agentes públicos sobre a necessidade de providências para resolver uma situação irregular ou que possa levar a alguma irregularidade. O não acatamento infundado de uma recomendação, ou a insuficiência dos fundamentos apresentados para não acatá-la total ou parcialmente pode levar o MP a adotar medidas judiciais cabíveis.
Fonte: Ministério Público Federal