A discussão sobre as alterações na Lei de Improbidade Administrativa (LIA) no Congresso Nacional e os impactos das mudanças aprovadas no enfrentamento de práticas ilícitas foram a principal pauta de atuação da Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal (5CCR/MPF) em 2021. Durante o ano, o órgão reforçou os alertas acerca dos efeitos negativos das modificações em debate na casa legislativa e, confirmadas as novas disposições, orientou os procuradores sobre como atuar e minimizar os retrocessos. O órgão superior do MPF também articulou parcerias para enfrentar o tráfico de pessoas, aprimorar o anteprojeto da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) Penal, fortalecer o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro relacionadas aos ilícitos ambientais, e promover capacitações e treinamentos para membros e servidores da instituição.
LIA – As propostas de alterações na Lei 8.429/1992 (LIA) vinham sendo acompanhadas pela a Câmara de Combate à Corrupção do MPF desde 2020, quando foram elaboradas duas notas técnicas com o objetivo de alertar os parlamentares sobre os prejuízos decorrentes das mudanças em discussão. Em 2021, diante do avanço da tramitação do projeto de lei que alterava a LIA, a 5CCR reafirmou a preocupação do MPF com as modificações em curso e pediu apoio da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla).
Ao participar da 5a Reunião do Gabinete de Gestão Integrada (GGI) da Enccla 2021, em agosto, a coordenadora da 5CCR, Maria Iraneide Olinda Santoro Facchini, sugeriu uma manifestação ou atuação da entidade sobre o tema. Reforçou ainda a importância de chamar a atenção da opinião pública para o assunto, pontuando que vários membros da instituição, inclusive ela própria, publicaram na mídia artigos críticos às mudanças em debate na casa legislativa.
Apesar dos esforços empreendidos, a Lei de Improbidade Administrativa foi alterada pela Lei nº 14.230, aprovada em outubro pelo Congresso. A principal mudança introduzida foi a exigência de comprovação de dolo (intenção) para que agentes públicos sejam responsabilizados em casos de enriquecimento ilícito, lesão ao erário e violação aos deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade. Antes, condutas culposas (sem intenção) e situações de negligência, imperícia e imprudência podiam ser configuradas como improbidade e punidas com base na lei, dispensando a comprovação de má-fé por parte do gestor.
Diante do novo cenário normativo e das inúmeras dúvidas geradas, a Câmara de Combate à Corrupção do MPF editou, em novembro, orientação para esclarecer os procuradores da República sobre o impacto das alterações nos processos em curso. De acordo com a Orientação 12/2021, a Constituição Federal impede a retroatividade automática de novas normas mais benéficas como forma de impedir o retrocesso no combate à corrupção e à improbidade. Além disso, a retroatividade é vedada quando as mudanças legislativas são complexas e resultam na reformulação de tipos e sanções, como ocorreu com a Lei 14.230/2021.
Para aprofundar o debate sobre os efeitos das alterações na LIA no enfrentamento de práticas ilícitas, a 5CCR organizou, em dezembro, um seminário virtual sobre o tema. O evento marcou o Dia Internacional de Combate à Corrupção, celebrado em 9 de dezembro, e reuniu dezenas de procuradores, como participantes e expositores, além do procurador-geral da República, Augusto Aras, e do ministro do Superior Tribunal de Justiça Herman Benjamin.
Na ocasião, Aras afirmou que é preciso achar um ponto de equilíbrio para usar a nova legislação, interpretando-a à luz da Constituição Federal e das convenções internacionais de combate à corrupção e a outras práticas lesivas à Administração Pública internalizadas pelo direito brasileiro. O procurador-geral pontuou que a reforma da LIA era necessária, mas demonstrou preocupação com alguns aspectos introduzidos.
Tráfico de Pessoas e Corrupção – A 5CCR se uniu a outros órgão superiores do MPF para identificar o vínculo entre os crimes de tráfico de pessoas e corrupção e aprimorar a atuação institucional contra esses ilícitos. Em fevereiro de 2021, numa atuação conjunta com a Câmara Criminal (2CCR), a Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), o órgão colegiado criou o Grupo de Trabalho Intercameral (GTI) Tráfico de Pessoas Associado à Corrupção.
Em julho, em parceria com a Secretaria de Comunicação Social do MPF, o GTI produziu uma série de reportagens para alertar sobre a conexão entre os crimes. As matérias foram exibidas no Programa Interesse Público, transmitido pela TV Justiça. Os três episódios da série Mercado Humano abordaram o tráfico de pessoas para fim de exploração sexual e mostraram ainda como a corrupção pode ser uma via de acesso para outros tipos de tráfico, relacionados ao contrabando de imigrantes, adoção ilegal, comercialização de órgãos e trabalho escravo.
As Câmaras Criminal (2CCR) e de Combate à Corrupção (5CCR) também aprovaram uma orientação conjunta com diretrizes aos membros que atuam em casos de contrabando de migrantes e tráfico humano em quaisquer de suas modalidades: exploração sexual, laboral, adoção ilegal e tráfico de órgãos. A orientação – que tem como base um nota técnica elaborado pelo GTI Tráfico de Pessoas Associado à Corrupção – é para que os procuradores considerem sempre a possibilidade da participação de agentes públicos, que atuariam em troca de favorecimentos ilícitos por meio de práticas corruptas.
Enccla – Ao longo do ano, a 5CCR também acompanhou as reuniões do Gabinete de Gestão Integrada (GGI) da Enccla 2021, bem como as onze ações em curso. Entre os dias 13 e 16 de dezembro, o MPF participou da XIX Reunião Plenária Anual da Enccla. A coordenadora da 5CCR representou o procurador-geral da República no evento, que aconteceu de forma híbrida, com participações online e presenciais. Membros indicados pelas Câmaras Criminal (2CCR) e de Combate à Corrupção (5CCR) apresentaram os resultados de iniciativas coordenadas pelo MPF.
Na Ação 04/2021, o objetivo era avaliar e acompanhar a proposta do Anteprojeto da Lei Geral de Proteção de Dados para segurança pública e persecução penal, chamada de LGPD Penal. O trabalho resultou na produção de uma nota técnica que sugere alterações no texto do anteprojeto, considerando as convenções, recomendações e melhores práticas internacionais. Também foi realizado um webinário que discutiu os impactos da proteção de dados na investigação criminal e persecução penal.
A Ação 10/2021 focou na proposição de medidas para fortalecer o combate à corrupção e à lavagem de dinheiro relacionadas aos ilícitos ambientais. O grupo de trabalho aprovou oito recomendações a diversos atores públicos, como os Ministérios de Meio Ambiente e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; órgãos federais como Ibama, ICMBio, Serviço Florestal Brasileiro e Coaf; poderes executivos estaduais e órgãos sanitários e de meio ambiente estaduais. Além disso, foram elaboradas duas sugestões de alteração legislativa.
Parcerias – Em busca de uma atuação efetiva, a Câmara de Combate à Corrupção do MPF participou de reuniões e iniciativas conjuntas para conhecer e aprimorar programas do Poder Executivo. Em fevereiro, membros do colegiado se reuniram com a Controladoria-Geral da União (CGU) para tratar sobre o Plano Anticorrupção, lançado pelo governo federal em 2020 com o objetivo de estruturar e executar ações para melhorar os mecanismos de prevenção, detecção e responsabilização por atos de corrupção.
Em setembro, o órgão superior participou de reunião com representantes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para discutir a falta de recursos orçamentários para o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância). A 5CCR faz parte do Grupo de Trabalho Interinstitucional formado por membros do MPF e dos Ministérios Públicos dos Estados para acompanhar o tema. Um dos resultados do encontro foi o acesso a uma ferramenta de BI que permite o acompanhamento da evolução de todas as obras financiadas pelo programa, bem como dos valores repassados a estados e municípios.
Em dezembro, em parceria com a Câmara Criminal, a 5CCR elaborou orientação conjunta para padronizar a requisição e o recebimento de informações fiscais pela instituição, a fim de permitir que os dados sejam analisados de forma mais ágil e eficiente. Segundo o documento, o recebimento e processamento dos dados deve ser centralizado na Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise da Procuradoria-Geral da República (Sppea). Para isso, foram definidas uma série de especificações e formatos que devem ser indicados pelos procuradores nos pedidos de quebra de sigilo fiscal enviados à Justiça.
Capacitação – A promoção de cursos e treinamentos para membros e servidores da instituição também foi um dos destaques da 5CCR em 2021. Foram realizadas três capacitações: o curso Crimes em Licitações e Contratos: Questões Polêmicas e Jurisprudência, com o objetivo de possibilitar a identificação e o tratamento adequado de fraudes em licitações e contratos, inclusive sob a perspectiva da nova Lei de Licitações e Contratos (Lei 14.133/2021); um treinamento sobre a Plataforma + Brasil, antigo Siconv, voltado a servidores que utilizam o sistema de gestão; e o curso Crimes Tipificados do Código Penal e no Decreto-Lei 201/1967, voltado para membros e servidores com atuação na temática de Combate à Corrupção.
Composição – O colegiado da 5CCR recebeu novos integrantes em 2021. Os subprocuradores-gerais da República Alexandre Camanho e Moacir Mendes Souza assumiram como titulares em maio. Eles ocuparam as vagas deixadas pelos subprocuradores-gerais José Adonis Callou e Antônio Carlos Fonseca da Silva. O órgão superior é coordenado pela subprocuradora-geral da República Maria Iraneide Olinda Santoro Facchini e tem, ainda, como membros suplentes, os procuradores regionais da República Cláudio Dutra Fontella, Januário Paludo e Uendel Domingues Ugatti.
Durante o ano, foram realizadas 21 sessões de coordenação e 20 de revisão, com a deliberação de 6.322 procedimentos no total.
Fonte: Ministério Público Federal