Titulares do Executivo de municípios com até 7.000 habitantes espalhados pelo interior do país turbinam os próprios vencimentos e chegam a ganhar R$ 25 mil mensais, valor que supera o salário de prefeitos à frente de cidades até 50 vezes maiores, registra Folha de São Paulo.
Levantamento feito pela Folha com municípios de pequeno porte de todas as regiões do Brasil revela que os salários, criticados por especialistas ouvidos pela reportagem, pressionam a receita de cidades cujo financiamento depende majoritariamente de transferências externas.
É o caso de Ingazeira (PE), cuja população estimada para 2024 é de 4.959 pessoas. O município tem renda média de 1,6 salário mínimo, segundo o último Censo, mas paga R$ 20 mil mensais ao atual prefeito Luciano Torres (PSB) e R$ 10 mil ao vice Djalma do Minadouro (PSB).
No caso de cidades até 10 mil habitantes, estabeleceu um dispositivo da Emenda Constitucional 25/2000, “o subsídio máximo dos vereadores corresponderá a vinte por cento do subsídio dos deputados estaduais”.
O mesmo não ocorre com os prefeitos, que só não podem receber mais do que ministros do Supremo Tribunal Federal (R$ 46.366,19), o que abre caminho para que dirigentes de pequenos municípios sejam mais bem remunerados do que aqueles à frente de cidades maiores, de médio ou grande porte. O salário dos prefeitos é fixado pelas Câmaras Municipais.
Com 4.221 habitantes, Lafaiete Coutinho (BA) paga R$ 19 mil mensais ao prefeito Flávio Brandão (PP) num orçamento massivamente (94,43%) dependente de transferências externas. Todo esgoto produzido pela pequena população é coletado —mas não há tratamento algum sobre os afluentes, segundo dados de 2022 do governo federal. Situação semelhante ocorre em Rio Crespo (RO), que paga R$ 18.954,50 ao prefeito Eder da Silva (PL). A cidade, de 3.753 habitantes, não trata esgoto e tem o sétimo maior índice de mortalidade infantil de Rondônia, com 28,57 óbitos por mil nascidos vivos.
A ausência de parâmetros, que permite a fixação de salários elevados a agentes políticos, não cria distorções restritas a municípios de pequeno porte. No interior da Bahia, a cidade de Jequié (168.733 habitantes) aprovou no ano passado um aumento de 57,93% ao prefeito Zenildo Brandão (PP), o “Zé Coca”, e 71,87% ao vice Flavinho Santana (União) —que passaram a receber R$ 34.774,64 e R$ 31.297,17 respectivamente. A cifra é pouco menor do que o vencimento do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), cuja remuneração é de R$ 38.039,38
São casos que representam “uma anomalia, uma patologia da federação brasileira”, diz o advogado Omar Augusto Leite Melo, professor de direito e economia na Instituição Toledo de Ensino (ITE) em Bauru.
Seria bem-vinda, afirma, uma espécie de “trava” aos subsídios de prefeitos como já ocorre a vereadores. Mas ele não vê condições para eventuais mudanças neste momento.
“O arcabouço legal incentiva isso. Quanto mais municípios pequenos, mais infraestrutura, mais representantes, mais servidores para suprir demandas. Mas esse pacote custa e alguém tem que pagar”, pontua.
“O problema é que o salário do prefeito é também o teto do município. Então, na medida em que você tem uma remuneração muito alta ao chefe do Executivo, há pressão também para ampliar os salários dos servidores”, explica o ex-ministro chefe da CGU (Controladoria Geral da União) e hoje sócio do Warde Advogados, em Brasília, Valdir Simão.
Não se trata de uma discussão, segundo o ex-CGU, em torno da autonomia dos municípios, mas de instrumentos balizadores das despesas. “Você tem parâmetros estabelecidos pela Constituição no caso dos salários de vereadores. Ao Executivo, não”, diz.
Os gastos com pessoal são limitados a 60% da receita corrente líquida dos municípios. “Quando um Tribunal de Contas analisa esse gasto, só vê se [a despesa] está dentro do limite estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Não entra nos valores. Isso só ocorreria com a mudança da legislação”, explica.
De segunda (17) a quarta (19) a Folha procurou por email e/ou por telefone todas as outras cidades citadas, mas nenhuma delas respondeu até a publicação desta reportagem.