Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia-Brasil, onde atua na área da Defesa do Patrimônio Público e Moralidade Administrativa. O
Presidente da Associação do Ministério Público do Estado da Bahia, o Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de Salamanca-Espanha, Adriano Marcus Brito de Assis é o entrevistado desta semana do Papo OFF.
Menina dos olhos do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a PEC 005/2021, apelidada de PEC da Vingança por promover alterações no Ministério Público e no Conselho Nacional do Ministério Público, em um momento de ressaca da Operação Lava Jato, é considerada por muitos como uma resposta do establishment ao avanço da operação sobre a corrupção no ambiente político.
O texto, relatado pelo deputado federal Paulo Magalhães (PSD-BA) e controlado por Lira e caciques do Centrão, prevê o aumento no número de integrantes indicados pelo Senado e Congresso para compor o CNMP, passando de dois para quatro; que a corregedoria passa a ser exercida pelo vice-presidente do CNMP, cargo que seria ocupado por um dos indicados e não mais por funcionários de carreira do MP; e que o CNMP ganharia o poder de revisar qualquer ato funcional de promotores de Justiça no país, além de anular ações e recomendações do MP e dirigir investigações do órgão, entre outras coisas.
Associações do Ministério Público e servidores têm se posicionado contra a PEC 005/2021, apelidada de PEC da Vingança. Qual o problema do texto?
Acho que a primeira coisa sobre essa PEC, essa Proposta de Emenda à Constituição, é que ela não teve nenhum debate. Para se ter uma ideia, na quarta (13) da semana passada saíram quatro relatórios; no dia seguinte, na quinta (14), mais um e, no dia em que o plenário iria deliberar, na sexta (15), saiu um sexto; e tudo isso feito sem discussão e nem debate. Entrando na questão de fundo, substancial, ela afeta a independência dos promotores e promotoras. Primeiro, com a previsão de desconstituição de atos funcionais de agentes do MP. Quem desconstituir os atos funcionais dos membros MP é o poder judiciário. Se o promotor entra ação com uma ação considerada como indevida, quem julgará isso é o judiciário, se ele praticou um ato com abuso de poder por exemplo, quem vai determinar a interdição do ato é o poder judiciário. O que essa PEC está fazendo é subtraindo do poder judiciário essa apreciação, algo que é da competência dele, criando uma 5º instância no Brasil, digamos assim. O fato de se prever essa desconstituição administrativa dos atos funcionais, ela, claro, vai inibir o trabalho dos membros do MP; com essa possibilidade, o membro estará sujeito a uma possível ação disciplinar do próprio conselho. E aí entra no segundo problema, a corregedoria. Hoje o corregedor é eleito pelos próprios conselheiros, em uma eleição no Conselho Nacional onde um membros do MP, que tem assento, se candidata e é eleito. A proposta diz que o Senado e Câmara, alternadamente, irão indicar para mais uma vaga criada no Conselho, saindo de 14 para 17, um procurador geral, que ele necessariamente será o vice-presidente e corregedor; essa figura que irá ocupar esse novo assento, essa cadeira, será responsável pela parte disciplinar. É um novo membro que ingressa no CNMP por indicação política, e isso não é positivo. A fórmula atual respeita o colegiado, são os próprios membros dele que escolhem o corregedor, por esse mecanismo escolha, evita-se a influência política externa em matéria disciplinar, e fortalece uma atuação independente e livre de pressão no MP. Olha, a corregedoria do CNMP funciona muito bem. Os números da corregedoria nacional MP são bem superiores aos da corregedoria do Conselho Nacional de Justiça. Além disso, temos que frisar que a ação disciplinar que a corregedoria faz é apenas uma parte, há corregedorias em cada ramo do MP nos estados, no da União, que têm atuações muito fortes. Colegas são punidos pelos MPs de seus estados ou quando isso não acontece, o é no conselho nacional. É um sistema de correção que vem funcionando. Não tem porque mexer nisso e colocar numa posição eminentemente jurídica, em se tratando da punição de agentes públicos que devem atuar com independência, nesse caso, os promotores, um indicado político.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), principal defensor da PEC da Vingança, tem criticado o MP por não ter um código de ética. Como recebem essas críticas?
Primeira coisa, não é um código de ética que vai estabelecer funções para os membros do MP; essa não é função do código de ética, a função do código é a de dar referência para o comportamento dos agentes de dentro do princípio da integridade. A parte disciplinar está prevista nas leis orgânicas do MP. Lá estão condutas que constituem infrações e essas mesmas condutas podem constituir além de infrações, crimes e até atos de improbidade. Não é um código de ética que está faltando, ele é um complemento, não tem como não discordar do presidente da Câmara. As leis orgânicas prevêem condutas e infrações dos membros do MPs e as sanções respectivas: advertência, censura, suspensão, suspensão com perda de salário, cargo etc. Há parte disciplinar feita com uso do código penal, e há vários colegas Brasil afora que estão respondendo por crimes. Esse preposto do código de ética não se aplica, não corresponde necessariamente ao ponto de vista disciplinar.
A quem interessa promover mudança na estrutura do MP e do seu conselho nacional?
Eu não sei a quem interessa, o que posso dizer é que essa proposta não vai significar um aprimoramento da instituição, por essas razões que apontei aqui. Quando nós tratamos de uma alteração constitucional, temos que pensar no que ela serve para aquelas instituições que vão ser impactadas; no caso do MP, a percepção das instituições e associações. Essa PEC termina violando a independência, enfraquecendo a instituição, prejudicando o trabalho dos membros, não conduz a um aprimoramento e é por isso que estamos pregando pela rejeição.
A PEC da Vingança seria uma resposta da classe política ao avanço promovido pela Lava Jato, em um período ressaca da operação?
Se eventualmente for isso, aí é que se torna ainda mais ilegítima essa mudança. Não se pode alterar uma constituição em razão de suposto sentimento de vingança, por erros, excessos cometidos pela Lava Jato ou por qualquer outra operação. É bom destacar que a atuação do MP não se resume apenas ao combate à corrupção e os impactos desta PEC não para por aí, ela afeta várias atribuições do MP. Se houve excesso, impropriedade, equívocos, tem que ser corrigidos pelos mecanismos já existentes, que estão funcionando, volta a dizer. Não me parece que seja a via própria alterar a Constituição do MP por um inconformismo, por sentimentos negativos, por uma atuação dessa ou aquela operação, desse ou daquele procurador. Não é por isso que se deve mexer na Constituição, que é a lei maior, mais importante, ela requer instabilidade; se for para mexer, é para aprimorá-la. Neste caso, pelas medidas que a PEC prevê, o que ela faz é fragilizar e tornar a instituição vulnerável à interferências políticas externas. Com isso não quero dizer que o político A ou B, grupo A ou B, esteja querendo intervir no trabalho. O que estou dizendo é que não podemos abrir as portas para influências pensando no futuro; hoje podem não querer interferir, mas e amanhã? Esses ventos podem mudar… Então, qualquer brecha para influenciar, ela faz com que MP perca sua independência, imparcialidade, e termine vulnerável, suscetível a atender a desejos, propósitos de grupos políticos majoritários momentâneos e isso é muito ruim.
O presidente da Câmara alegou, na sessão da última sexta-feira (15), quando tentou até o último minuto colocar em apreciação a PEC da Vingança, que ela havia recebido o respaldo de associações do MP e de procuradores. Vocês deram o aval para Lira colocar o texto em apreciação? Tem acordo?
Olha, um acordo, entre outras coisas, pressupõe que aquilo que esteja sendo acordado seja algo transacionável, possível de ser objeto de concessão, e como as associações deixaram claro, não dá para fazer acordo com relação à independência, à imparcialidade, essa concessão é impossível. A Constituição deu independência para que, em situações críticas, inclusive do ponto de vista político, o MP pudesse atuar com total distanciamento dos grupos políticos, sejam majoritário ou minoritário; então não dá para fazer acordo sobre isso. Por isso é que a posição das associações e dos procuradores gerais é de repulsa , rejeição a essa PEC.
Você cita a construção de um texto com manobra para influências políticas no MP, qual o impacto disso?
É crucial em uma democracia instituições protegidas das influências políticas; se não temos instituições assim, como o judiciário e MP, estamos colocando em risco o próprio equilíbrio da democracia. Quem controla o poder, podendo influenciar o MP, terá uma arma poderosa para desequilibrar o sistema em seu favor; ele poderá perseguir inimigos e fazer com que o sistema democrático seja manipulado por pessoas ou por grupos que momentaneamente controlam o poder político. É fundamental que o MP tenha um distanciamento em relação ao poder, o que é incompatível com essa PEC. A democracia termina em risco, não é o fato de que promotores não gostam e não querem, a questão de fundo é institucional e democrática.
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