Há 20 anos, quando começou a trabalhar com tecnologia da informação, ela não imaginava que, além de garantir uma tranquilidade para a própria família e para si, estaria movendo uma engrenagem poderosa na busca por possibilitar que pessoas pretas tivessem oportunidades numa sociedade acostumada a discriminar por cor de pele e padrão econômico. Nina Silva virou referência quando o assunto é o chamado afroempreendedorismo, afinal ela é a sócia criadora do Movimento Black Money.
“Pretas e pretos precisam criar uma rede de poder, eles precisam ser intencionais na hora de comprar, contratar, estabelecer parceria, pois sem isso não se consegue mudar, estruturalmente, o que o racismo provoca”, disse ela, durante a conversa com a consultora Flávia Paixão, na live Empregos e Soluções dessa quarta-feira (25). A iniciativa é do jornal CORREIO, realizadas todas as quartas-feiras, sempre às 18h, na perfil do veículo no Instagram.
Nina Silva contou como foi sua trajetória profissional até chegar no Black Money (Foto: Reprodução) |
Enquanto falava da sua trajetória, Nina aproveitou para anunciar a realização do Mercado Black Money Experience, no próximo mês de dezembro, totalmente gratuito e voltado para o profissional ou empreendedor negro (Inscrição: bit.ly/mbmexperience). Ela disse que o movimento tem novidades na área financeira como o auxílio emergencial já pago, uma máquina de crédito específica para esse público e a implantação de um banco digital para o próximo ano.
Reflexões de luta
Enquanto contava sobre como a cultura do empreendedorismo surgiu em sua vida, Nina também fez uma reflexão e uma autoavaliação de um fato que permeia a vida de tantos outros empreendedores e empreendedoras negras: a necessidade de trabalhar para além das forças pessoais para minimizar os impactos que a falta de oportunidades trouxe para a população negra por décadas.
“Cada pessoa carrega um navio negreiro inteiro dentro de si e essa constatação me faz não enxergar limites, inclusive, não conseguindo ter mais cuidado comigo mesma, pois sei que minha trajetória não é apenas minha, outras pessoas dependem desse trabalho”, desabafou.
Na verdade, para abordar o empreendedorismo na vida da mulher eleita pela revista Forbes como uma das 20 Mais Poderosas do Brasil (2019) e pela Most Influential People of African Descent (MIPAD) como uma das 100 afrodescendentes abaixo de 40 anos mais influentes do mundo, Nina precisou usar todo o repertório conquistado ao longo da vida.
Com o pai, aprendeu a importância de poupar um pouco de tudo que se ganha; com a irmã mais velha, a primeira a cursar o nível superior na família, a importância da educação como agente transformador. Dessa forma, Nina ganhou bolsas de estudo que possibilitaram fazer um bom ensino médio. Com essa base, conseguiu ser aprovada numa universidade federal e se graduar em Administração de Empresas.
A necessidade financeira de apoiar as despesas da família a fizeram buscar a tecnologia numa época que ninguém imaginava a importância que a digitalização teria duas décadas depois. Enquanto não conseguia bancar a própria formação, ela usou de toda a disposição e foco para aprender sozinha e galgar os espaços nas empresas com as quais trabalhou. A determinação e a competência a levaram a morar nos Estados Unidos, mas apesar da carreira ser permeada de vitórias, havia um descontentamento, um vazio, uma falta de identidade e pertencimento que se expressaram no esgotamento emocional da Síndrome de Burnout.
Recomeços
Naquela época, o adoecimento psíquico e as manifestações sociais ocorridas em 2013 ampliaram o desejo de voltar ao Brasil e assim ela fez. Para recomeçar a vida, ela e uma sócia abriram um salão de beleza voltado para uma perspectiva mais étnica com as economias feitas nos Estados Unidos. “Mas aquele negócio foi um erro desde o início, pois não respeitamos os valores do espaço que já funcionava anteriormente, não nos reposicionamos como marca, não cuidamos em atrair o público que nos interessava e, ao final de seis meses, eu estava quebrada”, conta.
Para se capitalizar, ela voltou a trabalhar num cargo inferior ao que tinha ocupado antes de sair do Brasil. Mas não se conformou e mandou currículo e participou de seleções diversas. Pensou que a indústria era um bom ramo e conseguiu um bom cargo numa automobilística japonesa, na cidade de Campinas. Mais uma vez, Nina abandonou a família e os amigos e foi buscar o sonho. Dois anos depois, o Burnout voltava com os seus sintomas de esgotamento.
Para tentar equilibrar o sentimento de sufocamento provocado por um modelo de gestão altamente controladora, ela foi buscar trabalhos sociais, mentorias e palestras. O destaque obtido com essa atuação incomodou os chefes que a obrigaram a escolher em qual das atividades permaneceria. Nina pediu demissão e passou a procurar empresas que tivessem uma proposta mais parecida com o seu perfil e encontrou um lugar com flexibilidade de horários e toda uma cultura organizacional que condizia com sua perspectiva de vida.
Nessa época, ela conheceu o sócio, um homem negro, com a mesma faixa etária, especializado em finanças e sensível à necessidade de fortalecer a economia junto às populações negras das cidades brasileira. “Unimos os perfis financial ao tecnology e encontramos pontos comuns. Assim surgia um hub de iniciativas que garantiam lugares de liberdade para as pessoas pretas, para que elas possam ir a um supermercado, por exemplo, sem serem mortas”, ressaltou.
Nos últimos três anos, ela começou a fazer a transição e só no final do ano passado passou a se dedicar inteiramente ao Movimento Black Money.