De um quartinho improvisado como estúdio, na laje de uma casa no bairro do Uruguai, em Salvador, a percussão ecoa durante horas. O som musica manhãs, tardes e noites, por oito, dez, doze horas. “O tempo passa que eu nem sinto, porque para mim estudar música é o melhor momento”, conta João Melo, 21 anos, o músico por trás dos instrumentos. O baiano ganhou uma bolsa para continuar os estudos na prestigiada escola de música Bard College Conservatory of Music, em Nova York.
A música é a trilha da vida de João desde sua infância. Aos 11 anos, ganhou do pai, um comerciante que toca teclado nas horas vagas, uma bateria. No mesmo ano, decidiu entrar para a orquestra do Sesi, onde estudava, chamada Orquestra Jovem do Sesi. Três anos depois, aprovado como percussionista do Neojibá, tocou numa turnê que se apresentou na Inglaterra, Itália e Suíça, no renomado Auditório Stravinsky, em Montreux. No ano passado, retornou à Suíça para uma nova apresentação. A essa altura, João já era aluno de música na Universidade Federal da Bahia (Ufba), onde aprofundou os estudos percussivos.
“O interesse pelo estudo de música foi aumentando e escolhi como profissão. É uma profissão às vezes pouco valorizada, mas sempre mantive a minha mente com a ideia de que devo fazer o que me sinto feliz fazendo”, diz.
No ano passado, João recebeu o primeiro e-mail com um convite para estudar em Nova York, na mesma Bard College. Alguns professores da instituição tinham visto a audição do baiano para outro projeto, o Orquestra das Américas, e ofereceram uma bolsa de estudos. Como o prazo era curto e ele precisava concluir outros trabalhos em Salvador, declinou do convite.
“Mas comecei a conhecer melhor a universidade, a equipe, a estrutura, e com as coisas mais resolvidas, decidi a aplicar novamente, como qualquer outro aluno”, diz.
Mais uma vez, foi aprovado. Dessa vez, no entanto, viajará para Nova York, onde estudará por cinco anos – tempo da graduação.
Não fosse pela pandemia, João deveria estar com as malas prontas para a viagem. Mas a Escola instituiu um semestre online e a mudança deve ocorrer em janeiro do próximo ano. Agora, ele divide o tempo entre a música e o inglês. Os instrumentos guardados em casa são da Ufba, que disponibiliza aos estudantes de música a possibilidade de levá-los para fora da universidade para manter a prática. “Tomo meu café e já subo para estudar”, comenta.
O músico se interessa pelos instrumentos tanto mais populares – como a caixa-clara -, quanto mais eruditos, como a marimba, com formato parecido a de um piano e formado por teclas de madeira, que produzem som ao ser tocadas por baquetas. “Estudo basicamente todos, porque busco me aplicar em cada instrumento”, responde, quando a reportagem pergunta quais são as preferências dele.
A porta de entrada de João na música, a Orquestra Jovem do Sesi, foi criada há 10 anos, na Escola Sesi Comendador Bernardo Martins Catharino, no Caminho de Areia. Ao longo dos anos, quase dois mil alunos passaram pelo grupo, onde aprenderam a tirar som dos mais variados instrumentos. As aulas acontecem normalmente no turno oposto ao das aulas, em dois espaços projetados.
“A música faz parte do processo de aprendizagem e percebemos como isso impactou no desenvolvimento deles, como eles se engajaram. A gente acredita que as dimensões da arte são importantes para a formação”, opina Cássia Lôbo, gerente de educação do Sesi.
O percussionista João, que passou pela Orquestra e faz parte da Orquestra 2 de Julho, do Neojibá, ainda hoje lembra da sensação das primeiras apresentações. “Era uma criança conhecendo o mundo, achando tudo lindo”, relembra. Uma criança que conheceu o mundo pelo som da música e assim pretende continuar conhecendo.