O procurador-geral da República, Augusto Aras, apresentou parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) sugerindo a fixação de teses, de caráter vinculante, relativas às hipóteses para perda de cargo ou graduação das praças militares (profissionais hierarquicamente inferiores aos oficiais). A manifestação se deu no Recurso Especial com Agravo (ARE) 1.320.744, que está submetido à sistemática de repercussão geral (Tema 1.200). A matéria trata do alcance da competência da Justiça Militar para decretar a perda do posto e da patente ou da graduação de militar que teve contra si uma sentença condenatória, independentemente da natureza do crime cometido. No STF, o processo está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Na origem, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) ofertou representação contra um policial militar com o objetivo de obter a declaração da perda de graduação de praça, com a consequente exclusão do quadro da polícia estadual, em razão da condenação a pena superior a 2 anos de reclusão. O pedido foi julgado procedente pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, o qual entendeu não haver ressalvas no artigo 125, parágrafo 4º, da Constituição Federal, em relação ao tipo de crime (militar ou comum) em que o militar estadual haveria de ser condenado para perder sua vitaliciedade.
O PM, então, recorreu sem sucesso, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Já no Supremo, teve seu recurso acolhido pelo colegiado, que reconheceu a repercussão geral do processo. A defesa do policial sustenta que compete à Justiça Militar Estadual decidir sobre a perda da graduação de praças apenas quando envolver crime que a ela caiba processar e julgar (crimes militares).
Hierarquia militar e legislação – No parecer, Augusto Aras explica que a hierarquia dos cargos no âmbito militar é estruturada em dois níveis denominados posto (privativo dos oficiais) e graduação (privativa das praças), ambos com regramento distinto para cada carreira. Aos oficiais federais e estaduais aplica-se o artigo 142, parágrafo 3º, da Constituição Federal, de modo que a declaração de perda do posto e da patente pelos oficiais federais e estaduais deve ser feita pelo Tribunal Militar, por meio de processo jurisdicional específico. Cabe ainda ao Tribunal Militar o exame da conduta do oficial que deu origem ao correspondente processo jurisdicional específico para a perda do seu posto e da sua patente.
Já com relação à perda da graduação – exclusão – das praças federais (das Forças Armadas), que são condenadas por crime comum ou militar, não há previsão constitucional da necessidade de pronunciamento jurisdicional específico ou de exigência de observância da colegialidade para aplicação de penas acessórias. A perda de graduação pela praça federal poderá se dar nos termos do artigo 2º, inciso III, do Decreto 71.500/1972, ou com base no artigo 102 do Código Penal Militar, que prevê ser automática a perda do cargo em caso de condenação por mais de 2 anos.
Quanto às praças militares estaduais, a Constituição estabelece que compete à Justiça Militar Estadual julgar os militares estaduais nos casos de cometimento de crimes militares definidos em lei e também as ações judiciais contra atos disciplinares militares.
Perda do cargo ou graduação das praças – No documento, Aras diz que a interpretação sistemática das previsões constitucionais e da jurisprudência do STF conduz à conclusão de que a perda do cargo ou da graduação das praças militares como consequência de condenações criminais pode ocorrer em três hipóteses distintas. A primeira delas se dá como efeito secundário extrapenal da condenação, ao longo do processo criminal militar, e exige ratificação por Tribunal Militar, ainda que no mesmo processo-crime em que houver a condenação .
A segunda possibilidade de perda do cargo público da praça é como efeito secundário da condenação por crime comum – com base no artigo 92 do Código Penal. Neste último caso, a sanção pode ser aplicada no bojo do processo, dispensando-se ratificação de tribunal. “O art. 92 do Código Penal decorre da lógica geral da perda de cargos por funcionário público, com parâmetros próprios a depender do crime e da quantidade de pena. Já o Código Penal Militar traz disciplina própria, à luz dos princípios e valores militares, notadamente, no caso das praças, o art. 102, com a exclusão das Forças Armadas na hipótese de condenação superior a 2 anos”, explica o PGR. A própria jurisprudência do Supremo é no sentido de que compete à Justiça Comum processar e julgar as praças militares estaduais pela prática de crimes comuns, cabendo ainda decretar a perda do cargo público como efeito da condenação.
Por fim, a terceira hipótese se concretiza mesmo sem existência de condenação no processo criminal originário, por meio de procedimento específico perante o Tribunal Militar competente. Essa possibilidade se dá porque a aplicação da sanção secundária com base no título condenatório deve levar em conta a preservação dos valores e o pundonor militar (necessidade do membro da corporação pautar sua conduta pela correção, em serviço ou fora dele). “Diante dessa exigência de alto padrão comportamental, a prática de crime comum incompatível com a função policial militar também pode implicar como efeito acessório da pena a perda da graduação como sanção por indignidade”, complementa Aras.
Fixação de teses – Considerados a sistemática da repercussão geral e o efeito vinculante do julgamento do presente recurso em relação aos demais processos relacionados ao Tema 1.200, o procurador-geral da República sugere a fixação das seguintes teses:
I – A Justiça Comum pode declarar a perda do cargo das praças como pena acessória, sem necessidade de procedimento específico;
II – A Justiça Militar Estadual pode declarar a perda de graduação da praça como pena acessória, sem necessidade de procedimento específico, se a sanção for confirmada pelo Tribunal Militar respectivo;
III – A ausência de aplicação como pena acessória da sanção de perda de cargo ou graduação da praça estadual, condenada em crime comum ou militar, não impede a análise do fato para tais fins em procedimento específico pelo Tribunal Militar Estadual, à luz dos valores e do pundonor militar.
Íntegra da manifestação no ARE 1.320.744
Fonte: Ministério Público Federal