Ouvir as demandas dos povos ciganos que vivem no estado de Mato Grosso; conhecer a realidade e os desafios dessa população tradicional; explicar como podem acionar o Ministério Público Federal (MPF) e capacitar membros das comunidades para utilização da Plataforma de Territórios Tradicionais. Esses foram os objetivos de oficina realizada pelo Projeto Territórios Vivos no município de Rondonópolis (MT), no último dia 5. A iniciativa é fruto de parceria entre o MPF, a Agência Alemã de Cooperação Técnica (GIZ) e a Rede de Povos e Comunidades Tradicionais (RedePCT).
Formalizado em maio de 2021, o projeto busca fortalecer e engajar povos e comunidades tradicionais do Brasil por meio da consolidação da Plataforma de Territórios Tradicionais. A ferramenta, desenvolvida e aprimorada de forma participativa desde 2018, utiliza georreferenciamento para armazenar e disponibilizar informações de diversas fontes sobre os territórios autodeclarados por essas populações.
Durante o evento, representantes do povo Calón relataram situações de violência, intolerância e discriminação vividas diariamente pelas comunidades ciganas da região. O quadro, segundo os participantes da oficina, é agravado pelas dificuldades sócioeconômicas e de acesso a direitos fundamentais como alimentação, saúde, educação, emprego e moradia.
Os depoimentos dividiram espaço com apresentações culturais dos povos ciganos. Além disso, os participantes da oficina puderam conhecer melhor os objetivos e as funcionalidades da Plataforma de Territórios Tradicionais, com exercícios práticos para inserção de um território no sistema. A ideia é que, após a capacitação, eles possam alimentar a ferramenta diretamente com os dados e informações relativos a cada comunidade.
Representando o MPF, o procurador da República Ricardo Pael reforçou o compromisso da instituição em apoiar as demandas ciganas na busca pelos seus direitos. Para ele, a Plataforma pode ser uma ferramenta efetiva também na luta contra o preconceito sofrido pelos povos ciganos, ao lhes dar visibilidade. “O desconhecimento sobre um grupo alimenta o estereótipo que, por sua vez, é o caminho para a discriminação e o racismo”, afirmou.
Invisibilidade – O procurador lembrou que um dos desafios para a elaboração de políticas direcionadas às populações ciganas é exatamente a falta de dados confiáveis. O último levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) está defasado, o que dificulta a mensuração das necessidades desses grupos. Para ele, os dados e informações obtidos nas pesquisas demográficas são importante instrumento para iniciar o diálogo com gestores públicos na defesa de ações em prol dos povos ciganos do Brasil.
Durante o evento, uma Calin que se identificou como Jaqueline relatou que não sabe seu sobrenome, pois seus pais foram mortos em um episódio de genocídio de ciganos. “As informações sobre nossa família se perderam”, relatou emocionada. Essa situação, que não é única nem isolada, revela a necessidade de atuação do MPF, sobretudo para garantir o acesso a direitos fundamentais.
Em 2018, foi publicada pelo Ministério da Saúde a Portaria 4.384/218, que instituiu a Política Nacional de Saúde dos Povos Ciganos. Apesar de dispensar os membros da população tradicional da obrigação de apresentar comprovante de endereço para ter acesso aos serviços públicos de saúde, a norma ainda é desconhecida tanto pelos profissionais da saúde quanto pelos próprios ciganos.
Outro problema levantado pelos participantes é que os Centros de Referência de Assistência Social não oferecem, quando do preenchimento dos dados, a opção ‘cigano’. “Fui obrigada a preencher um cadastro, decorrente de uma lei de Política de Igualdade Racial, contudo, como no cadastro não havia a opção cigano nem ‘Outros’, me recusei a preencher, e por conta disso fui notificada”, lembrou Jaqueline.
Na área da educação, foi apontada a necessidade de ampliação do acesso ao Ensino de Jovens e Adultos (EJA), além da celebração da cultura cigana no ambiente escolar, pois já existe o Dia do Cigano, comemorado em 24 de maio. Segundo os participantes da oficina, seria uma oportunidade para falar sobre seus costumes e sua cultura, algo inexistente nos livros didáticos.
No campo social, políticas que promovam acesso à moradia, bem como divulgação junto aos Centros de Referências de normas específicas para ciganos foram mencionadas como ações essenciais.
Etnias – No Brasil, existem vários grupos que compõem os povos ciganos, por exemplo os Rom, os Sinti, os Calon. Estão distribuídos em todos os estados da Federação e no Distrito Federal. Cada um desses grupos étnicos possui dialetos, tradições e costumes próprios. Muitos deles ainda estão voltados às atividades itinerantes tradicionais da cultura cigana, porém nem toda pessoa de etnia cigana é nômade. Muitos têm residência fixa, variando desde casas sofisticadas a tendas, acampamentos e casas de pau a pique.
Fonte: Ministério Público Federal