O Ministério Público Federal (MPF) promoveu o evento Abril Indígena: Originários, com o objetivo de tratar da história e das lutas dos povos originários de Santa Catarina. Participaram do debate a jornalista Ângela Bastos, o coordenador da regional litoral sul da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Hyral Moreira, a secretária Nacional de Direitos Ambientais e Territoriais Indígenas, do Ministério dos Povos Indígenas, Kerexu Yxapyry, e a procuradora da República Analúcia Hartmann.
Abrindo o evento, realizado no no último dia 11, a procuradora Analúcia destacou que o debate foi batizado a partir do nome do documentário Originários SC, produzido por Ângela Bastos, que mostra a cosmovisão e a luta por terra dos indígenas que vivem no estado. A procuradora manifestou sua alegria pela presença de Hyral e Kerexu no evento e “por estarem ocupando cargos tão importantes na Administração federal”.
Nas suas intervenções ao longo do debate, Analúcia, enfatizando o avanço dos direitos indígenas nas últimas décadas, trouxe o relato de uma reunião com o então secretário da Agricultura, ocorrida em Chapecó há 30 anos, na qual ele a questionou se o vereador indígena presente poderia mesmo receber votos. Em outro caso, em reunião com o governador do estado, o político afirmou que a questão indígena era de atribuição federal e não estadual. Revelando o desconhecimento do governador sobre a legislação estadual, a procuradora leu para ele os direitos dos indígenas que constam da Constituição Estadual de Santa Catarina.
Por outro lado, lembrando o quanto os povos originários sofreram ao longo do tempo, Analúcia destacou que, nos últimos quatro anos, o Brasil se tornou um dos países que mais matam indígenas e defensores das causas indígenas no mundo. “Durante a pandemia de covid-19, um colega nosso do MPF na região Norte passava as semanas inteiras tentando conseguir voos que levassem indígenas doentes para os hospitais mais próximos, sem ter a certeza de que eles voltariam vivos”, contou a procuradora.
Falando sobre a produção do documentário Originários SC, Ângela Bastos disse que a pauta dos indígenas sempre esteve presente na vida dela e que ficou muito feliz com o resultado do documentário: “Conseguimos 17 páginas coloridas na revista e quatro episódios no Jornal do Almoço, o de maior audiência no estado”. Mas, segundo a jornalista, a produção não foi fácil. “A pauta foi atravessada pela pandemia e era quase impossível para a nossa equipe entrar nas aldeias, porque dependíamos da autorização da Funai, o que era muito difícil. A solução foi falar diretamente com os caciques”. Sobre o comentário de uma colega jornalista, que disse que hoje é fácil falar da tragédia humanitária dos Yanomami, Ângela lembra que, há um ano, uma equipe de jornalismo não conseguiria entrar na Terra Yanomami, já que o governo federal não permitiria a exibição da realidade que eles enfrentam.
“Sofremos muito com a contestação da TI Morro dos Cavalos” – Kerexu Yxapyry, a primeira cacique mulher de Santa Catarina, apresentou relato das dificuldades que os povos originários enfrentaram nos últimos anos. “As fake news espalhadas trouxeram muitos ataques à comunidade do Morro dos Cavalos. Elas nos colocaram num lugar de confronto com a sociedade. As mortes nos territórios indígenas foram incentivadas. A gente viveu esse pesadelo, aumentado pela pandemia de covid-19. Usava-se decreto da Funai para proibir servidores de atuarem nesses conflitos”.
E ela continua: “Em plena pandemia, estava sendo discutido o marco temporal (a tese jurídica que defende uma alteração na política de demarcação de terras indígenas no Brasil, segundo a qual só poderia reivindicar direito sobre uma terra o povo indígena que já estivesse ocupando-a no momento da promulgação da Constituição Federal de 1988). Fomos cercados e ameaçados em Brasília”.
Kerexu também contou a respeito dos debates que ocorreram entre os indígenas sobre a conveniência de eles entrarem na política. Segundo ela, muitos questionavam a necessidade dessa atuação. “Tivemos o horizonte de entrar para a política, onde se discutem os nossos direitos. É uma vitória, como a gestação de um filho. É a oportunidade de levar para dentro de um ministério o conhecimento aprendido nos territórios indígenas”.
Hyral Moreira, o primeiro advogado Guarani de Santa Catarina, também trouxe suas experiências como indígena e agora coordenador da Funai. “Eu me formei advogado em um tempo em que as coisas para os indígenas eram mais difíceis ainda. Não existiam escolas nas comunidades indígenas. Antes da Constituição, os povos indígenas não podiam praticar sua cultura abertamente. Mas, com o passar do tempo, a sociedade percebeu que não conseguiria promover a aculturação dos povos indígenas”. No entanto, ele diz: “No ano que passou, nós, lideranças indígenas, tivemos grande dificuldade para tranquilizar as comunidades e, ao mesmo tempo, fazer o enfrentamento”.
Sobre o trabalho na Funai, Hyral destacou: “Por muito tempo, a Funai foi comandada por pessoas que nunca pisaram numa aldeia. Hoje, estamos ocupando um espaço que deveria ser mesmo para pessoas com conhecimento. Todos que comandaram a Funai eram indicação partidária. Nós não fomos indicados por partidos, mas pelo movimento indígena”.
Assista à íntegra do documentário Originários SC
Fonte: Ministério Público Federal