Por João Vilas Boas*
Nas últimas semanas, os olhares do mundo estão todos direcionados para a eleição americana. Primeiro, desperta elevada curiosidade a busca por compreender o sistema eleitoral de voto indireto adotado pelo país, no qual nem sempre o candidato mais votado pela população acaba sendo eleito, como ocorreu com Hillary Clinton em 2016.
Além disso, o fato de o país ser uma potência global, com uma moeda forte, poderio militar e grande influência geopolítica, são fatores que justificam a grande atenção concedida ao pleito.
A ampla vitória do republicano Donald Trump, que derrotou a democrata Kamala Harris tanto em votos populares quanto em número de delegados – pela primeira vez em 20 anos – acende um alerta amarelo para a esquerda no Brasil, que em 2026 deverá enfrentar mais um processo eleitoral marcado por forte polarização entre esquerda e direita.
Desde o anúncio oficial da vitória de Trump, políticos conservadores da direita brasileira, a exemplo do ex-presidente Bolsonaro (PL), do governador de São Paulo, Tarcísio Freitas (PL-SP) e de diversos parlamentares da ala conservadora, parabenizaram e celebraram a vitória do republicano, reacendendo a chama segregadora que fragmentou o país em 2022.
O avanço do populismo de direita não é um fenômeno isolado, como ratificado na eleição norte-americana, mas sim, mais uma demonstração de que essa é uma tendência que ganha força com a vitória de Milei, na Argentina, e de Bukele, em El Salvador.
O crescimento da tríade – Trump, Milei e Bukele – reflete uma crise de representatividade que afeta tanto as instituições tradicionais quanto as figuras políticas estabelecidas. No Brasil, a esquerda enfrenta um desafio similar, pois muitos eleitores se sentem desencantados com a política tradicional, deixando um poderoso vácuo para que líderes populistas consigam articular um sentimento de frustração contra o “sistema”.
A esquerda brasileira, ao longo dos anos, tem perdido a capacidade de se conectar verdadeiramente com o público, em grande parte pela ausência de domínio das redes sociais, que são corriqueiramente utilizadas por políticos ligados à direita para se comunicar diretamente com seus eleitores, contornando a mídia tradicional. Desse modo, a esquerda brasileira precisa adaptar-se a essa nova realidade e aprender a utilizar esses canais com maior eficácia, capturando a atenção de uma base que é ativa online e muitas vezes cética em relação aos canais tradicionais.
Além disso, Trump utilizou durante toda a sua campanha discursos fortes em torno da segurança pública e da ordem. No Brasil, onde a insegurança é uma preocupação central, essa retórica pode facilmente capturar a atenção dos eleitores em 2026.
Na última quinta-feira (31), em reunião com ministros e governadores, o presidente Lula chegou a apresentar a PEC da Segurança Pública, numa tentativa de oferecer uma resposta eficaz e direta às críticas sobre a falta de um plano de segurança em sua gestão. Contudo, foi rebatido pelo governador de Goiás e pretenso candidato a disputar o Planalto, Ronaldo Caiado (UB), que em sua fala reiterou que a segurança estará no centro do debate da eleição presidencial de 2026 – um possível ponto de trunfo para a direita brasileira, assim como ocorreu nos Estados Unidos.
Desse modo, o alerta amarelo é iminente: há uma demanda latente por soluções concretas para problemas que já pautaram a eleição de 2022 e devem continuar no centro do debate em 2026. Sem dúvidas, a eleição de Trump e de outros líderes na América dá o tom de uma corrente que pode ser ainda mais fortalecida no Brasil, onde a direita já conta com elevada representatividade na Câmara dos Deputados, tendo o PL como o partido com maior bancada.
Portanto, para seguir no comando do Palácio do Planalto e garantir um presidencialismo de coalizão eficaz para a governabilidade, a esquerda brasileira precisará passar por uma autocrítica breve e assertiva.
*João Vilas Boas é bacharel em Ciência Política, pós- graduado em Gestão Pública, graduando em Direito e Assessor Parlamentar.