Por: Beatrice Magalhães
A tradição do carnaval como nós conhecemos vem se perdendo há anos. Cada vez mais camarotes, menos pipoca. Pessoas de costas para os trios para ouvir sertanejo dentro das áreas VIPs. No chão, muita violência e pouca folia. Mesmo com todos os inconvenientes, o mundo vem para Salvador viver a euforia do carnaval. Enquanto isso, os soteropolitanos tentam manter a centelha da tradição acessa.
Nas últimas semanas, surgiu um rumor de uma suposta mudança nos circuitos, o que gerou muita polêmica. Esse boato trazia a possibilidade do percurso Barra-Ondina ser substituído por um novo circuito, que iria da Orla da Boca do Rio até Patamares. A mudança vem dividindo opiniões de artistas, empresários, comerciantes, políticos e dos próprios foliões.
Diante de tamanha polêmica, o prefeito de Salvador Bruno Reis se pronunciou sobre o assunto. De acordo com o gestor, o trecho da orla entre Pituaçu e Piatã passará por uma requalificação. Assim como é atualmente na Barra, a região ganhará um calçadão e o transito será modificado, não passando mais beira mar, mas, sim, com as duas vias margeando o Parque Pituaçu. Esse espaço que está sendo apontado para substituir o circuito Dodô.
“O grande trecho de orla será o grande calçadão. Tomando conhecimento disso, o trade do Carnaval, em conversa com o Comcar, ficaram de elaborar um projeto. O Comcar aprovando, vão submeter à prefeitura, e aí nós vamos avaliar. Não há nenhuma decisão. O projeto ainda não foi apresentado. A prefeitura não tem nenhuma decisão sobre o assunto. Não estamos analisando, mas é uma possibilidade concreta e real”, revelou Bruno em coletiva à imprensa.
A proposta feita pelos empresários do setor considera a transferência dos grandes trios e blocos da Barra para a Boca do Rio, permanecendo no Farol da Barra apenas os tradicionais de pré-carnaval, como o Furdunço e o Fuzuê. O documento será entregue para o Conselho Municipal do Carnaval (Comcar) avaliar. Caso seja aprovado, ele será apresentado à prefeitura, que tomará a decisão final.
“Tem muitos prós e muitos contras. Os prós estão relacionados a ser um espaço mais aberto, mais amplo. A desvantagem está relacionada ao curto tempo. Essa discussão está vindo à tona agora no início de junho e o carnaval está logo ali”, analisou Joaquim Nery, presidente do Comcar.
“Na Avenida Sete, da paz eu sou tiete. Na Barra o farol a brilhar. Carnaval na Bahia, oitava maravilha, nunca irei te deixar, meu amor”. As músicas revelam que o circuito Barra-Ondina, mesmo que tenha se popularizado mais recentemente quando comparado ao Campo Grande, já é um símbolo do carnaval soteropolitano. A possível mudança no circuito tem gerado indignação entre os comerciantes e empresários da região.
“O que sustenta a cidade é a alta temporada, e o auge dela é o Carnaval. Quem traz dinheiro para cá é o turista. Esse público é atraído também pelas belezas da Barra, e não tem beleza na Boca do Rio que se compare à daqui. Então, Salvador terá menor atratividade”, critica Mauricio Laukenickas, proprietário da agência de turismo Tsot.
Já os moradores do bairro da Barra parecem estar aliviados com a transferência para a Boca do Rio. “Desde 2017 a associação vem alertando o Conselho Municipal do Carnaval de que o modelo de trios e camarotes estava crescendo desordenadamente, e os problemas também. A própria PM avisou que o bairro já está saturado e não comporta mais esse volume”, comenta o presidente da Associação de Moradores da Barra (Amabarra), Watson Campos.
O setor artístico também parece apoiar a transição. Cantores como Márcio Victor, Tony Salles, Lincoln, O Poeta e O Kanalha, grandes nomes do pagode baiano, acreditam que toda mudança seja bem-vinda. “Eu acho que se for benéfica para o carnaval, vale sim a gente abraçar”, analisou Tony Salles.
Para dar um fim nesse “burburinho”, o Conselho do Carnaval criou uma comissão com especialistas para estudar a proposta e, só assim, aprovar ou não a mudança. Até termos uma resposta oficial, a polêmica seguirá dividindo opiniões.
Os novos rumos do carnaval soteropolitano se afastam da tradição e da festa de Dodô e Osmar, mesmo que o carnaval da Barra não tenha previsão de ser extinto. Porém, talvez caiba a nós aceitar as mudanças e dar um voto de confiança no benefício delas aos foliões, ao invés de resistir ao ponto de correr o risco de levar o carnaval, enquanto festa popular, a um fim mais excludente e fragmentado, como aparenta ser seu destino caso não haja intervenções.