Por: Beatrice Magalhães
Djamila Ribeiro, pesquisadora, professora, escritora de best-sellers, mestre em Filosofia Política pela Universidade Federal de São Paulo, militante das causas de gênero e raça, tornou-se a primeira mulher preta a ocupar uma cadeira na Academia Paulista de Letras.
Nessa terça-feira (24), foi oficializada a vitória de Djamila na eleição para assumir o cargo deixado pela escritora Lygia Fagundes Telles, que faleceu no começo de abril. Ela conquistou a vaga numa votação histórica de 30 votos a seu favor, num total de 39. “Agradeço a todos os acadêmicos e acadêmicas que votaram e me deram a oportunidade incrível de ocupar a cadeira que foi da gigante Lygia Fagundes Telles”, comentou a escritora em publicação no Instagram.
O merecimento da cadeira por Djamila é inegável. Ela é vencedora de diversos prêmios, como o Jabuti, com o “Pequeno Manual Antirracista”, o livro mais vendido no Brasil em 2020, e o BET Awards, na categoria Global Good. Portanto, a importância de seu trabalho como pesquisadora e escritora não é apenas reconhecida pela comunidade preta brasileira, mas, também, internacionalmente.
A autora de sucessos como “Quem tem medo do feminismo negro” consegue, cada dia mais, aumentar o seu público alvo e enriquecer o debate de suas pautas através das redes sociais. Por meio de plataformas digitais, Djamila ampliou o número de pessoas que tem acesso ao conteúdo de intelectuais pretos e tornou mais dinâmica a discussão para conscientização sobre a marginalização da mulher negra na sociedade brasileira. Com a ascensão de sua popularidade, desenvolveu-se com maior ênfase e urgência, o reconhecimento da necessidade e importância da representatividade da figura feminina preta em espaços institucionais e eruditos do país.
Sobre a ausência de outras acadêmicas pretas na instituição paulista e brasileira, Djamila Ribeiro declarou ao Estadão, “Sendo a única acadêmica negra desta academia, entendo que o trabalho que desenvolvi até hoje, como escritora e editora na publicação de dezenas de intelectuais negros e negras, difundindo vozes essenciais para a reflexão de nosso país, se faz cada vez mais urgente para o fortalecimento da democratização do conhecimento e das letras no Brasil”.
A pouca representatividade da comunidade afrodescendente na academia sempre foi um problema. Desde a fundação da Academia Brasileira de Letras (ABL), apenas três homens pretos assumiram posições na instituição, o mais recente foi o cantor e compositor Gilberto Gil. Quando se analisa a presença feminina, nunca ocorreu a eleição de qualquer mulher negra na academia, sendo Conceição Evaristo, em 2018, a que chegou mais perto, mas com votos insuficientes para assumir uma cadeira.
De acordo com a professora doutora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisadora em literatura negro-brasileira e africana de língua portuguesa Vanessa Teixeira, “Embora, não represente os brasileiros, a ABL é a cara do Brasil, porque mantém sistematicamente essa existência herdeira da elite escravocrata brasileira”.
Visto isso, ainda hoje, a noção que a cultura erudita é a única de valor é um pensamento infiltrado no imaginário da elite intelectual brasileira, que, dificilmente, consegue enxergar a importância e a competência de obras da comunidade preta ou de outras minorias. Contudo, o povo não aceita mais esse ideal arcaico, responsável por perpetuar estruturas escravocratas.
“É uma instituição que não vê a literatura negra brasileira acontecer, que não vê a literatura indígena, que não enxerga as ruas. Por isso, decidiu eleger rostos muitos conhecidos na cultura do país, já que com o passar dos anos, a própria entidade percebe que não está sendo vista pela sociedade”, completa Vanessa. Ou seja, a ABL despertou o reconhecimento da necessidade de mudança em seu legado excludente e elitista. Desse modo, começou a oferecer espaço para que grandes figuras, antes marginalizadas, da língua portuguesa, como Djamila Ribeiro, possam ocupar espaços e enriquecer a instituição.
A situação é longe do ideal. Djamila assumiu a 28° cadeira da Academia Paulista de Letras, mas a brasileira continua sem representantes femininas pretas. No entanto, essa conquista já é um primeiro passo para a mudança e uma grande vitória para todas as mulheres negras no país.