Para chegar até a sede da prefeitura de Cachoeira, Eliana de Gonzaga, prefeita eleita em 2020, com 10.448 votos, cumpre, todos os dias, metodicamente um ritual.
Ao acordar, cada dia em um lugar diferente como forma de evitar cair em uma emboscada, ela segue com sua segurança privada sentido o município onde nasceu e foi criada, que, por medo de ser executada, como aconteceu com dois apoiadores de campanha desde que foi eleita, ela deixou de residir.
O aval para entrar no município é dado por uma viatura da PM (Polícia Militar) que a espera na entrada da cidade, como forma de reforçar sua sensação de segurança e sinalizar que ela poderá chegar viva ao trabalho em mais um dia.
A intensificação na segurança da gestora de Cachoeira começou após uma reunião na SSP (Secretária de Segurança Pública), na última quinta-feira (27), onde ficou decidido que ela teria escolta para exercer sua atividades na cidade.
“Mesmo com esse reforço na segurança, eu temo pela minha vida, não me sinto 100% segura, carrego um certo receio… uma bala pode vir de qualquer lado, de qualquer direção. É claro que com esse acompanhamento eu tenho uma margem maior de segurança, mas não significa que estou livre”, avalia Gonzaga.
Apesar da dificuldade, a gestora de Cachoeira se esforça para seguir visitando os bairros da periferia e as comunidades rurais de Cachoeira: “Vamos seguir visitando in loco, vendo as necessidades da população. Aos poucos estou retornando ao convívio diário, eu sempre fui disso, sou militante, dormia em comunidades e só quero retomar minhas atividades, meu dia a dia; é o que mais quero, viver em paz, trabalhar em paz e em segurança”.
A chefe do executivo de Cachoeira revela que seu maior medo é de que ocorra um novo atentado contra algum apoiador ou membro de sua família: “Se ocorrer um atentado contra minha vida e eu tombar, ir à óbito, não vou estar aqui para sofrer. Diferente de ver algum amigo, militante, membro da família ser morto, estarei aqui para viver esse sofrimento; é doloroso demais perder alguém que você ama, perdi dois apoiadores e sinto até hoje”.
A gestora lembra da dor sentida quando soube da morte de amigo, cabo eleitoral e coordenador de obras de Cachoeira, Georlando da Silva Conceição, de 35 anos, que foi candidato a vereador nas eleições de 2020, e de Ivan Passos, morto antes de sua posse.
No dia sete de março, Georlando foi brutalmente assassinado com 19 tiros na face, em uma ação típica de execução enquanto passeava próximo ao centro da cidade.
As ameaças contra Georlandio começaram ainda na campanha de Eliana Gonzaga, quando gravou uma série de vídeos denunciando os problemas da cidade de Cachoeira e da gestão Tato (PSD).
Em abril de 2020, após receber uma ameaça velada de morte, Georlandio, que trabalha à época como cuidador de animais e youtuber, gravou um vídeo indicando que se algo acontecesse com ele, os cachoeiranos já estariam cientes quem seria o autor ou mandante.
“A morte de Georlandio… eles desfiguraram a face do rapaz, agiram com muito violência. O fato chocou, parou a cidade. No velório de Georlandio o rosto não pode ficar a vista, tivemos que colocar uma foto em tamanho real para poder fazer o velório, foram 19 tiros e todos no rosto. Ivan foi morto quando ainda comemorávamos nossa vitória, foram 10 tiros, o número de meu partido, foram dois recados para mim, dois atos desumanos”, desabafou a prefeita do Republicanos.
A prefeita de Cachoeira lembra de um episódio ocorrido na segunda semana de abril, que a faz temer pela vida e ir à público chamar a atenção das autoridades e da imprensa para o clima de medo e terror psicológico que se instaurou no município de trinta mil habitantes desde que Eliana de Gonzaga tomou posse.
A delegacia territorial da Polícia Civil de Cachoeira investiga os crimes.
Durante um drive thru contra Covid-19, no bairro do Jardim Grande, dois homens foram ao local em uma moto e ficaram atrás de uma árvore gesticulando em direção da prefeita e de seu marido, até perceberem que foram vistos por um policial que fazia a segurança do local e saírem correndo com a moto. Em dezembro, ela já havia recebido uma ligação e quando atendeu, escutou uma rajada de metralhadora do outro lado da linha.
“Criou-se uma rede solidária muito grande no Brasil e estou recebendo apoio até de instituições de outros países. Eu deixo o meu profundo agradecimento, todos estão imbuídos, empenhados nessa corrente do bem. Isso termina protegendo minha vida, familiares e militantes”, destaca a prefeita da Cidade Heroica.
Após a repercussão midiática de seu caso e toda uma rede de solidariedade que se criou, envolvendo manifestações de políticos, instituições e organizações sociais e religiosas, a prefeita eleita pelo Republicanos passou a ser vítima de uma onda de difamação em grupos de WhatsApp e em redes sociais.
“Essas pessoas responsáveis por essa onda de terror estão utilizando pessoas, fazendo postagens em grupos de WhatsApp, dizendo que eu não precisava fazer alarde na mídia, que se existem ameaças contra mim era para eu procurar os órgãos competentes, que estou espantando o turismo na cidade. Eu te pergunto, como se existem ameaças? E essas duas duas mortes, ficam como? É pura imaginação essas mortes”, desabafou Gonzaga.
A prefeita diz estar no centro de uma situação que nunca ocorreu em Cachoeira, que é a de ataques contra militantes políticos após uma vitória eleitoral. Ela cobra da polícia e da justiça uma resposta para os crimes contra os apoiadores.
“Eu nunca imaginei que, em pleno século 21, estaríamos vivendo esse momento de terror psicológico e político; é indescritível, não temos palavras para descrever um momento como esse, foram vidas perdidas… mas estamos clamando por justiça. É necessário que se faça justiça para esses dois casos, que não puna apenas quem puxou o gatilhos, mas que se descubra quem está por trás desses crimes perversos e que também sejam punidos. Não adianta punir quem foi contratado e deixar impune quem contratou e ordenou os crimes. É isso que pedimos, para que a paz volte a reinar em nosso município e possamos cumprir nossa missão de resgatar Cachoeira para todos os cachoeiranos”, cobrou Eliana de Gonzaga.
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