Política Antimanicomial do Poder Judiciário: PGR defende debate sobre alterações previstas por norma do CNJ

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O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (4), parecer em que defende que a Resolução 487/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – que institui a Política Antimanicomial do Poder Judiciário – seja interpretada conforme a Constituição Federal. Editada em fevereiro deste ano, a norma estabelece procedimentos e diretrizes para implementar a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001) no âmbito do processo penal e da execução das medidas de segurança.

Aras destaca que a resolução do CNJ está em harmonia com as normas nacionais e internacionais voltadas à saúde mental, à prevenção de tortura, aos direitos humanos das pessoas presas e à promoção dos direitos fundamentais da pessoa com deficiência. Salienta, porém, que é preciso assegurar que a interpretação dada à norma preserve as competências próprias do juízo da execução penal, especialmente as de decidir os incidentes na execução, de estabelecer a aplicação e conversão de medida de segurança e desinternação, bem como de determinar o restabelecimento da situação anterior.

Independência – Um dos pontos de preocupação, segundo o Ministério Público Federal, é o artigo 13 da resolução do CNJ. O dispositivo determina que as medidas de segurança de internação serão cumpridas em hospitais gerais e autoriza que equipe de saúde da Rede de Assistência Psicossocial (RAPS), nem sempre integrada por médicos, possa dar alta individual ao paciente, quando considerar a desnecessidade da internação enquanto recurso terapêutico, comunicando o fato à autoridade judicial.

O PGR pondera que o laudo médico circunstanciado é uma exigência da Lei 10.216/2001 para qualquer modalidade de internação psiquiátrica. Assim, apesar da inquestionável importância do trabalho multidisciplinar em saúde mental, o laudo elaborado por um profissional médico deve ser visto como documento necessário e suficiente para que o juiz decida sobre a medida de segurança de internação.

É preciso resguardar a autonomia e a independência do magistrado para decidir sobre a execução da pena. Nesse sentido, a avaliação da equipe multidisciplinar e o laudo médico circunstanciado não podem ter como efeito imediato a desinternação do sentenciado. Os documentos devem ser levados ao conhecimento do juiz, que analisará e decidirá de forma livre e fundamentada sobre a medida a ser imposta.

“Elaborado o laudo multidisciplinar biopsicossocial, verificada a viabilidade médica de resultado terapêutico voltado ao resgate à autonomia, analisada a adesão do internado ao tratamento proposto, o resultado da avaliação haverá de ser encaminhado ao juízo da execução que, motivadamente, decidirá sobre a próxima fase de cumprimento da sanção penal – se viável em meio aberto ou se ainda imprescindível a medida de segurança detentiva em aparelho adequado”, pondera Augusto Aras.

Desinstitucionalização – Em outro ponto do parecer, Aras avalia que a determinação da resolução do CNJ de interdição parcial e total de todos os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, bem como das alas psiquiátricas, representa uma mudança de paradigma relevante, que precisa de mais debate com a sociedade. Segundo ele, há espaço jurídico para a realização de audiências públicas, oportunidade em que poderá ser avaliada a viabilidade de readequação do prazo previsto na Resolução CNJ 487/2023 para encerramento das atividades desses espaços.

O PGR cita que o fechamento de HCTPs e ATPs é publicamente questionado por conselhos, associações e entidades. O argumento é que a extinção dessas unidades, o tratamento em leito comum e o cumprimento da sanção penal em meio aberto desconsideram a ciência médica aplicada à saúde mental. Para esses entes, a ampla liberação de indivíduos que praticaram condutas descritas como crime sem parecer médico conclusivo é inapropriada. Além disso, apontam a inexistência de locais para transição ou mecanismos viáveis para a reinserção familiar imediata.

Aras aponta que, apesar de ausente a determinação textual para que haja liberação em massa de pessoas em cumprimento de medida de segurança, como temido por entidades de classe, a normatividade da Resolução CNJ 487/2023 é de observância obrigatória por magistrados atuantes na execução penal. Ou seja, apesar da concessão de prazo para encerramento das atividades de HCTPs e ATPs, juízes que verificarem situações de segurados passíveis de submissão ao tratamento ambulatorial ou desinternação poderão encaminhá-los, desde já, a unidades de saúde para avaliação, sem destino certo quando ausente aparato familiar ou social para acolhimento.

Nesse contexto, o PGR defende que a Política Antimanicomial do Poder Judiciário deve ser implementada com a preservação, tanto quanto possível, da incolumidade do sentenciado e da sociedade, visando à garantia da ressocialização individual, adequadamente norteada por equipes multidisciplinares.

Íntegra da manifestação na ADI 7.389/DF

Fonte: Ministério Público Federal

Publicado por
Redação

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