O ato de descerramento da placa que oficializou, na última sexta-feira (16), a inauguração do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, no norte de Minas Gerais, marcou o fim de uma longa espera. Também confirmou o acerto de uma decisão tomada pelo Ministério Público Federal (MPF) quando, diante da constatação de uma irregularidade cometida por uma grande montadora de veículos, preferiu a solução negociada à judicialização do caso. O que poderia ser uma longa disputa nos tribunais praticamente “sem perspectiva de êxito” em função da impossibilidade de se retornar à situação anterior, foi o ponto de partida para a estruturação de uma unidade de conservação ambiental que guarda expressivo patrimônio cultural da humanidade. A área de 56,4 mil hectares abriga 140 cavernas e 80 sítios arqueológicos, além de grande variedade de pinturas rupestres datadas de até 11 mil anos (mais sobre o parque no fim do texto).
O responsável pela idealização e negociação do acordo é o hoje subprocurador-geral da República, Hindemburgo Chateubriand Filho, que faz questão de destacar a importância do desfecho do caso, recordando o momento em que tomou a decisão de optar pela solução negociada. Na época, fim dos anos 1990, investigações do MPF revelaram que a empresa Fiat tinha colocado no mercado milhares de veículos (a estimativa é que sejam mais de 400 mil exemplares) de um modelo capaz de emitir poluição ambiental acima do permitido pela legislação. “Surgiu uma preocupação de como poderíamos resolver essa questão porque envolvia não só a empresa, mas as pessoas que compraram. Elas teriam de devolver o carro, não porque ele tinha problemas, mas porque poluía mais”, recorda, lembrando que a complexidade do caso já sugeria que a solução deveria passar pela imposição de obrigação financeira à empresa.
A decisão pela saída negociada abriu espaço para um processo complexo que levou ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). As tratativas envolveram, além do MPF e da montadora, vários órgãos públicos, incluindo o governo estadual, o Ibama, e posteriormente o Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio) e até o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Entre as cláusulas do documento, estava o compromisso da Fiat de arcar com os custos da implantação do Parque Nacional, cuja área havia sido reservada por um decreto do então presidente da República, Itamar Franco, mas que não contava com recursos financeiros para a implementação. “É claro que houve críticas, pessoas não concordam e, para dar mais tranquilidade, foi estabelecido que o acordo só teria validade se fosse homologado pelo Conama, o que acabou sendo feito depois de algum tempo.
Processo trabalhoso – Foram muitas e trabalhosas as etapas que tiveram de ser vencidas até que, em setembro de 2022, o ICMBio informou ao MPF que a montadora havia cumprido todas as exigências e que o Parque Nacional poderia finalmente ser entregue à população. Uma resposta aguardada e comemorada de forma especial pela procuradora da República Mirian Lima, que nos últimos 12 anos foi a responsável por acompanhar a execução do acordo. Ela conta que, diante da complexidade do caso, o MPF opinou para que a área fosse liberada para visitação do público antes mesmo da inauguração oficial.
Um dos momentos decisivos para a implementação efetiva do parque foi o que resultou na elaboração de um termo aditivo ao primeiro acordo. Conforme a explica a procuradora, Mirian Lima, esse novo ajuste criou novas obrigações à montadora e permitiu o detalhamento das demais obrigações serem cumpridas, a definição de um cronograma para a efetivação das providências e ainda viabilizou um aumento da unidade de conservação. “Criamos novas obrigações, fizemos um detalhamento do primeiro TAC e conseguimos, a partir dali, efetivamente assegurar o cumprimento das medidas acertadas e que foram decisivas para garantir a preservação do parque que, inclusive, teve a área aumentada em praticamente cem por cento da previsão inicial”, resume.
Uma das fases mais demoradas foi a da desapropriação de parte da área que pertencia a particulares. Por lei, a medida deve ser feita pelo poder público, o governo estadual. A diferença é que, nesse caso, os pagamentos foram custeados pela Fiat, em decorrência do acordo firmado com o MPF. “São burocracias administrativas e judiciais que tiveram de ser vencidas para a aquisição das terras”, lembrou, frisando que apesar do tempo decorrido, a sensação é de dever cumprido e de uma entrega para a sociedade. “Esse parque finalizado, implementado e estruturado é de grande valor para toda a sociedade. Tem a fauna, a flora e toda um patrimônio geológico. Tudo vai ajudar na preservação e na conscientização da população adulta e infantil por meio de visitas que já são possíveis ao parque”, completou a procuradora que representou o MPF na inauguração.
A solenidade contou ainda com a presença de representantes de vários órgãos públicos e da própria montadora. O presidente do ICMBio, Marcos Simanovic, fez questão de destacar a entrega como uma conquista importante para todo o país. “Esse parque é um tesouro que precisa ser conhecido e reconhecido nacional e internacionalmente pelas cavernas, a beleza cênica e uma natureza exuberante. Temos aqui parte da história da humanidade”, pontuou.
Para ele, a estruturação viabilizada pelo acordo firmado entre a empresa e o MPF traz condições e segurança para que a população possa ser recepcionada no local, além de abrir espaço para que a atividade turística seja fomentada e que gere trabalho para pessoas da região.
Falando em nome da montadora, o advogado Felipe Falconi destacou o que chamou de “parceria exitosa com o MPF”. Segundo ele, a entrega do parque é uma prova da boa interlocução entre os setores público e privado e que reflete a preocupação da empresa com pautas sociais e de sustentabilidade.
Mais sobre o Parque Nacional do Peruaçu – A área total do parque é de 56.448 hectares, distribuída nos municípios de Januária, Itacarambi e São João das Missões. A origem do nome é atribuída aos índios Xacriabás localizados na região desde o século XVI. Segundo esses relatos, peru equivale a buraco, fenda e açu, a grande. Dessa forma, o nome seria uma referência a um cânion ou às grandes cavernas formadas na rocha calcária no vale.
O parque conta com trilhas, grutas, cavernas, mirantes e passarelas de proteção a sítios arqueológicos. O acesso só é permitido com o acompanhamento de guias treinados e credenciados pelo ICMBio. A gruta do Janelão, onde está localizada a maior estalactite do mundo, a Perna da Bailarina, é a atração mais importante. São três quilômetros de extensão e um pé direito que alcança 100 metros de altura. No entanto, o local guarda dezenas de outras atrações como a gruta Bonita, que tem salões e galerias com espeleotemas (depósitos químicos que se formam em rochas carbonáticas), a gruta do índio, onde o visitante se depara com registros arqueológicos, painéis de arte rupestres pré-históricas que vão até o teto da caverna.
Outro diferencial do parque é o fato de estar localizado em uma área de transição entre os biomas do cerrado e da caatinga. Isso faz com que tenha grande variedade de ambientes, com fauna e flora diversificadas. No caso dos animais, vivem na área entre outras espécies, lobo-guará, lagarto teiú, onças, maritacas, siriemas, arapaçu, beija-flor-de-asa-de-sabre, veado-mateiro, mocó, mico-estrela, tatu, capivara, além de serpentes. Em relação à vegetação, destacam-se aroeira do sertão, braúna, murici, pau-santo, cabiúna-do-cerrado, jatobá, barriguda e pequizeiro.
Uma das expectativas dos envolvidos no processo de estruturação completa do parque é que o espaço se transforme efetivamente em uma referência para o turismo de aventura, garantindo atividade econômica baseada na sustentabilidade e que possa também tirar proveito da proximidade com a hidrovia do São Francisco. Uma boa notícia para o MPF e para a população de uma das regiões mais pobres de Minas Gerais.
Fonte: Ministério Público Federal