“Os povos indígenas estão se sentindo agredidos por várias ações governamentais que não refletem aquilo que eles pensam. Eles precisam ter reconhecidos sua autonomia e o seu lugar de fala”. Essa foi a avaliação da subprocuradora-geral da República e coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), Eliana Torelly, sobre a evolução da garantia de direitos aos povos indígenas brasileiros, durante audiência pública na Câmara dos Deputados, na última sexta-feira (20).
O debate virtual abordou o cumprimento pelo Brasil das 25 recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU) relacionadas aos povos indígenas. O grupo compõe quadro de 246 orientações para a melhoria dos direitos humanos, feitas no último ciclo de avaliações da Revisão Periódica Universal (RPU) da ONU, válidas para o período de 2017 a 2022. O encontro entre representantes de órgãos federais que cuidam da temática indigenista, entidades de classe e sociedade civil foi organizado pelo Observatório Parlamentar da RPU, que faz parte da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara.
Eliana Torelly pontuou que as comunidades tradicionais estão se sentindo desassistidas pelo Estado, que não tem cumprido o dever constitucional de proteção aos povos originários. A subprocuradora-geral criticou a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai) que, na sua avaliação, precisa voltar a exercer seu papel como a maior agência indigenista do mundo. “A Funai é um patrimônio nacional, que tem uma longa história de defesa dos povos indígenas. E os povos indígenas do Brasil precisam que ela reassuma o seu papel, sobretudo na demarcação de terras”, defendeu.
Sobre a demarcação de territórios, Torelly lamentou que os processos estejam “praticamente paralisados” no país. “Fomos informados que vários processos já aptos à publicação do Relatório de Identificação e Delimitação, à portaria declaratória, ou mesmo ao decreto [de demarcação] estão sendo restituídos à diretoria de proteção territorial da Funai para adequação à tese do marco temporal”. A prática, segundo ela, vai contra decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender os efeitos do Parecer Normativo 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), que determina à administração pública a adoção de medidas restritivas à demarcação de terras indígenas, entre elas a tese do marco temporal.
A subprocuradora-geral também reiterou o compromisso do Ministério Público na proteção dos direitos dos povos originários. Ao apresentar algumas das ações desenvolvidas pela instituição, e que se enquadram nos eixos temáticos das recomendações da ONU, a coordenadora da 6CCR mencionou ação civil pública que pede a condenação do Estado por omissão na condução da política indigenista e grave violação de direitos fundamentais dos povos tradicionais. “Nós estamos vivendo um momento de extrema preocupação, de um recrudescimento do discurso de ódio, que tem levado a retaliações e motivado invasões de territórios”, pontuou.
Retrocesso – Outra questão abordada pela coordenadora da 6CCR na audiência pública foi a preocupação do MPF com projetos legislativos que buscam o desmonte dos direitos já garantidos aos povos tradicionais. Entre eles, Eliana Torelly citou o Projeto de Decreto Legislativo 177/2021, que busca autorizar o presidente da República a denunciar a Convenção 169 da OIT; o Projeto de Lei 490/2007, que modifica dispositivos do Estatuto do Índio, incluindo a tese do marco temporal; e o PL 191/2020, que pretende liberar a mineração dentro dos territórios indígenas. “Todas essas propostas vão em sentido contrário às recomendações para os direitos humanos da ONU”, alertou a coordenadora da 6CCR.
Segundo dados do último relatório da RPU, produzido no contexto da pandemia de covid-19, nenhuma das 25 orientações na temática indígena e do meio ambiente foram cumpridas pelo Brasil até o momento. Ao contrário, 11 delas estão em retrocesso, como as que tratam da proteção dos direitos territoriais dos povos indígenas, da proteção dos direitos indígenas e da consulta integral sobre medidas legislativas e administrativas que os afetem. “O mais importante é garantir que os povos indígenas tenham seu lugar de fala assegurado. Que não se sintam ameaçados e possam defender seus interesses de forma livre e desembaraçada”, concluiu Eliana Torelly.
Fonte: Ministério Público Federal