A situação de grave violação aos direitos humanos e a possibilidade de responsabilização internacional do Estado brasileiro justificam a federalização de quatro casos de violência policial ocorridos no estado do Rio de Janeiro entre 2018 e 2022, entre eles a Chacina do Jacarezinho, em maio de 2021. Esse é o entendimento do procurador da República Eduardo Benones, coordenador do Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial do Ministério Público Federal (MPF) no estado. Nessa quarta-feira (10), ele encaminhou o pedido ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, a quem cabe analisar e decidir a questão.
A atuação teve origem a partir de demanda da Rede de Atenção a Pessoas Afetadas pela Violência do Estado (Raave), que reúne famílias de vítimas de agentes policiais do Rio de Janeiro insatisfeitas com a ausência ou ineficiência de investigações ou com decisões judiciais sumárias atípicas. Durante reunião realizada ontem com o grupo, Benones anunciou o pedido de federalização e explicou os próximos passos. “Depois de analisar os fatos e realizar várias reuniões, estamos convencidos de que há razões para que sejam federalizados esses casos. Representamos ao procurador-geral da República, para que ele então decida se vai ou não ao Superior Tribunal de Justiça” . Caberá à Corte o julgamento de eventual Incidente de Deslocamento de Competência.
Na visão do procurador Eduardo Benones, todos os requisitos necessários à federalização foram preenchidos. “Hoje, o que se exige é uma grave violação aos direitos humanos e, juntamente, a possibilidade de que isso ocasione a responsabilização do Estado brasileiro internacionalmente. E nós entendemos que esses dois requisitos estão preenchidos nesses casos, inclusive, na Chacina do Jacarezinho”, explica. Caso sejam federalizados, os quatro casos passarão a ser investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal nas respectivas unidades do Rio de Janeiro.
Também estiveram presentes na reunião mães de vítimas de violência policial integrantes da Raave. “A gente está aqui para agradecer o apoio e a força de vocês. E dizer que a gente não vai parar, onde tiver um braço a gente vai se apoiar. A gente não vai esmorecer”, declarou Sônia Bonfim, moradora do Complexo do Chapadão e familiar de vítimas. “Nós não vamos desanimar, pois se trata de filhos, de vidas, e a gente está aqui pra lutar por cada vida. A gente não vai retroceder”.
Recomendação a cemitérios – Ainda na busca pela correta apuração de casos de violência policial, o MPF recomendou, nesta semana, a cemitérios do Rio de Janeiro que preservem os restos mortais de 27 vítimas da Operação Exceptis, da Polícia Civil do Estado (PCERJ), realizada em 6 de maio de 2021 no complexo do Jacarezinho. Conhecida como “Chacina do Jacarezinho”, a operação resultou em 29 mortes, sendo considerada a mais letal da história do Rio de Janeiro. A recomendação tem como objetivo resguardar eventuais elementos presentes nos cadáveres até que seja feita a exumação, acompanhada por peritos independentes que analisarão os restos mortais a fim de elucidar as circunstâncias das mortes.
A medida foi tomada diante da possibilidade do desfazimento dos restos mortais pelos próprios cemitérios, uma vez já decorrido o prazo legal de três anos que os autoriza a dar destinação definitiva ao material. Conforme informações que chegaram ao conhecimento do MPF, algumas famílias foram notificadas da necessidade do pagamento de tarifas e despesas com serviços funerários de elevado custo, com as quais não podem arcar, para manter a sepultura das vítimas da operação, sob pena de os restos mortais serem depositados em ossários públicos ou incinerados em crematórios.
As recomendações foram enviadas pelo MPF aos administradores dos cemitérios da Venerável Ordem 3ª de São Francisco da Penitência, Memorial do Rio, de Nilópolis (Cemitério de Olinda), do Caju (São Francisco Xavier) e de Inhaúma, onde as vítimas foram sepultadas. Todos eles deverão prestar, no prazo de 10 dias, esclarecimentos e informações que entenderem necessárias quanto ao cumprimento da recomendação.
Entre os pedidos formulados nas recomendações enviadas aos gestores dos cemitérios mencionados, o MPF pede que as sepulturas não sejam reabertas, e que não façam a exumação definitiva de cadáveres, despojos ou restos mortais, até autorização da Justiça ou qualquer outra requisição. Também orienta que os restos mortais não sejam incinerados, depositados em ossários públicos ou tenham qualquer disposição final semelhante.
Os administradores também não devem cobrar financeiramente dos parentes e familiares, ainda que figurem formalmente como cessionários, a preservação das sepulturas ou por quaisquer serviços funerários decorrentes, tendo em vista que os respectivos restos mortais se encontram à disposição da Justiça. Eles também deverão conservar, manter e vigiar as sepulturas.
Fonte: Ministério Público Federal