Belo Horizonte. O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública para que a Justiça Federal obrigue a União a incluir em até 30 dias a expressão “informação sobre a recomendação horária” em trecho da Portaria nº 502/2021, do Ministério da Justiça, especificamente no artigo 33, que trata das normas para a classificação indicativa na TV aberta.
A ação relata que a portaria não estabeleceu a obrigatoriedade de que as emissoras indiquem, em cada programa transmitido pelas TVs de sinal aberto, a recomendação de horário por faixa etária, o que permitiria aos pais exercer o autocontrole da programação em relação a seus filhos.
Com isso, o MPF entende que a “portaria traz omissão que importa em ilegalidade, porquanto exterioriza uma atuação deficitária da Administração Pública”, e está “em desacordo com Constituição da República, Estatuto da Criança e do Adolescente, Tratados e Convenções Internacionais dos quais o Brasil é signatário, ferindo, em consequência, os direitos fundamentais à proteção integral à criança e ao adolescente, à informação e à programação sadia”.
“Na verdade, ao editar a Portaria 502, o Ministério da Justiça acabou excluindo a expressão sobre a recomendação horária, contrariamente ao que tinha sido proposto pela própria área técnica do Departamento de Classificação Indicativa, e também em desacato a duas recomendações do MPF”, afirma o procurador da República Fernando de Almeida Martins, autor da ação.
Consulta Pública – Em 14 de junho deste ano, o Ministério da Justiça chegou a abrir Consulta Pública para a construção da nova portaria de regulamentação do procedimento de análise da Classificação Indicativa de, entre outros, programas de TV, cinema, jogos eletrônicos e RPG. Terminada a consulta, a Coordenação de Política de Classificação Indicativa (CPCI) expediu a Nota Técnica nº 25/2021 para orientar o texto da nova portaria.
De posse desse documento, o MPF verificou a necessidade de inclusão, na redação do § 3º do art. 33 da proposta do novo texto sobre a classificação indicativa, a obrigatoriedade de que também as TV’s por assinatura informassem a recomendação horária, além da classificação etária que já consta nos programas e obras classificáveis.
No dia 26 de agosto seguinte, foi expedida recomendação, nesse sentido, ao coordenador da Política de Classificação. A resposta da autoridade pública foi a de que “a aplicação de tal medida na televisão por acesso condicionado (tv a cabo ou fechada) seria inócua, visto que existem os mecanismos de controle parental que bloqueiam o acesso integral de crianças e adolescentes aos conteúdos não indicados, pré-programados por pais e responsáveis.”
“A nota técnica que acompanhou o ofício de negativa do cumprimento da recomendação ainda trouxe um argumento inacreditável: disse que a classificação indicativa recomendada pelo MPF não seria permitida porque os conteúdos exibidos pelas TVs por assinatura não são canais destinados ao mercado brasileiro’, evidentemente confundindo produção com exibição”, afirma o procurador da República.
O coordenador da Política de Classificação do Ministério da Justiça ainda disse que a expressão “informação sobre a recomendação horária” foi retirada da portaria, “apesar de ter sido uma sugestão da área técnica naquele momento”, porque “várias reuniões realizadas com as instâncias superiores, a posteriori, fizeram com que a minuta, hoje em análise pela CONJUR do MJSP, não exigisse tal obrigação”, e que “a decisão de acesso a qualquer programa, quando da indicação etária, é dos pais e responsáveis”.
Segundo o MPF, quem sugeriu a supressão da obrigatoriedade de informação de recomendação horária foi justamente a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), evidenciando, “assim, a prevalência dos interesses das emissoras de televisão, em detrimento de princípios como o da proteção integral à criança e ao adolescente, o da informação e da programação sadia”.
Inconformado, o MPF insistiu e novamente recomendou, no último dia 5 de novembro, a reinclusão da expressão “informação sobre a recomendação horária” na redação da Portaria de Classificação Indicativa. E, novamente, a recomendação não foi acatada, e a nova Portaria 502, publicada em 23 de novembro de 2021, substituiu a Portaria 1.189, de 03 de outubro de 2018, que continha as regulamentações quanto a horário e faixa etária nos programas de televisão.
Interpretação contrária – A ação civil pública defende que o órgão de classificação indicativa do Ministério da Justiça estaria contrariando entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) firmado por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2404/2016. Naquele julgado, o STF declarou inconstitucional a expressão “em horário diverso do autorizado” contida no parágrafo único do artigo 254 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
“A questão é que essa norma estabelece multa e suspensão de programação às emissoras de rádio e televisão que exibirem programas em horário diverso do autorizado pela classificação indicativa, e foi essa sanção administrativa que foi considerada inconstitucional. Mas de modo algum o Supremo disse que não deve haver a devida classificação indicativa. Pelo contrário”, afirma Fernando Martins.
Segundo o MPF, o acórdão da ADI 2404 expressamente diz que “Permanece o dever das emissoras de rádio e de televisão de exibir ao público o aviso de classificação etária, antes e no decorrer da veiculação do conteúdo, regra essa prevista no parágrafo único do art. 76 do ECA, sendo seu descumprimento tipificado como infração administrativa pelo art. 254, ora questionado (não sendo essa parte objeto de impugnação). Essa, sim, é uma importante área de atuação do Estado. É importante que se faça, portanto, um apelo aos órgãos competentes para que reforcem a necessidade de exibição destacada da informação sobre a faixa etária especificada, no início e durante a exibição da programação, e em intervalos de tempo não muito distantes (a cada quinze minutos, por exemplo), inclusive, quanto às chamadas da programação, de forma que as crianças e os adolescentes não sejam estimulados a assistir programas inadequados para sua faixa etária”.
Portanto, afirma Fernando Martins, “é totalmente estranha a interpretação conferida pelo Ministério da Justiça ao julgado do Supremo, pois os ministros inclusive fizeram questão de ressaltar literalmente a responsabilidade do Estado de conferir maior publicidade aos avisos de classificação. Ou seja, exatamente o inverso do que fez a nova portaria de classificação indicativa”.
O procurador da República ainda lembra que o STF disse que “sempre será possível a responsabilização judicial das emissoras de radiodifusão por abusos ou eventuais danos à integridade das crianças e dos adolescentes, levando-se em conta, inclusive, a recomendação do Ministério da Justiça quanto aos horários em que a referida programação se mostre inadequada. Afinal, a Constituição Federal também atribuiu à lei federal a competência para “estabelecer meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221” (art. 220, § 3º, II, CF/88)”.
“Neste sentido, resta evidente que a Portaria nº 502/2021 do MJSP, no tocante ao art. 33, § 3º, inciso I, possui omissão que importa em ilegalidade, porquanto exterioriza uma atuação deficitária da Administração Pública, relativamente à obrigação imposta de regulamentar o sistema de classificação indicativa”, sustenta a ação.
Controle pelos pais – Outro ponto questionado pelo MPF diz respeito à alegação do Ministério da Justiça de que cabe exclusivamente aos pais o controle sobre as obras/programações às quais seus filhos serão submetidos na TV aberta.
A ação lembra que basta verificar se os procedimentos exigidos pela Portaria de Classificação Indicativa são aptos a fornecerem as informações necessárias aos pais ou responsáveis para exercerem tal controle.
“Ora, o inciso I, do § 3º do art. 33 da Portaria nº 502/2021 não prevê a obrigatoriedade das emissoras de televisão aberta informarem sobre a recomendação horária da obra ou programa. Ou seja, os pais a priori não irão saber que tipo de conteúdo está sendo veiculado. E, considerando que a TV aberta não oferece dispositivo de bloqueio como meio efetivo de controle de programação pelos pais ou responsáveis, vê-se facilmente que o Estado nega aos pais meios efetivos para o exercício de seus direitos e deveres”, lembra o procurador da República.
Por isso, o MPF pede que, além da nulidade da norma questionada na ação, a Justiça Federal também determine que a ré, no prazo de 30 dias, inclua a expressão “informação sobre a recomendação horária” no texto da Portaria nº 502/2021, sob pena de pagamento de multa diária em valor a ser fixado na decisão judicial.
(ACP nº 1081235-18.2021.4.01.3800)
Fonte: Ministério Público Federal