O Ministério Público Federal (MPF) e a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) ajuizaram uma ação civil pública para garantir a integridade territorial da aldeia Itapuã, localizada no município de Iguape (SP). Desde 2017 são crescentes os atritos entre a comunidade e pessoas que vêm promovendo a ocupação de terrenos em um loteamento irregular no interior de uma terra indígena da região. Pelo menos 57 ocupantes já foram identificados e são réus na ação. Entre eles, o posseiro responsável pela divisão e a venda dos lotes.
Os autores pedem que a Justiça Federal conceda uma liminar para obrigar os ocupantes não-indígenas a interromperem imediatamente a comercialização das terras e as intervenções na área. Os conflitos entre os grupos chegaram a forçar o êxodo de parte da comunidade que vive na aldeia, que acabou migrando para outra área, no interior do Parque Estadual do Prelado, no início de 2021. A ação judicial é um desdobramento das negociações para que os indígenas deixem o Parque, o que deve ocorrer somente quanto puderem retornar a seu território, hoje alvo de pressão de terceiros.
A Itapuã é uma das sete aldeias que compõem a Terra Indígena Ka’aguy Hovy, cuja extensão abrange 1,9 mil hectares no Vale do Ribeira e abriga cerca de 300 integrantes do povo Guarani. O território já foi identificado e delimitado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) a partir de estudos arqueológicos, etnográficos e históricos que atestaram a ocupação tradicional da área. Ainda que o processo de demarcação não esteja concluído, o MPF e a CGY lembram que a Constituição garante aos indígenas o direito à posse da terra desde logo, como reflexo do fato de que a comunidade mantém vínculos comprovados com o local e dele depende para a reprodução de seu modo de vida e sua cultura.
As intervenções de terceiros sobre a aldeia Itapuã ganharam força nos últimos cinco anos, e desmatamento, construção de casas e abertura de estradas tornaram-se práticas frequentes na área. As irregularidades foram constatadas em 2017, quando a Polícia Militar Ambiental, por requisição do MPF, vistoriou a região e lavrou uma série de autos de infração e boletins de ocorrência. Mas nada inibiu a continuidade das atividades fundiárias nos anos seguintes. Mesmo ciente da existência da terra indígena, o posseiro que parcelou a gleba manteve a comercialização dos lotes. Somente entre setembro de 2020 e agosto de 2021, 17 novas ocupações foram identificadas no local. Por conta disso – e frustradas as tentativas de solução extrajudicial do conflito – é que foi ajuizada a ação para proteger o território da comunidade.
Ao final da tramitação do processo, o MPF e a CGY querem que a Justiça Federal determine a saída dos ocupantes irregulares, a demolição de construções e a recomposição da cobertura vegetal com o plantio de espécies nativas. Eles apontam ainda que, além de desrespeitarem os direitos dos indígenas, as atividades dos réus no local implicam prejuízos ao meio ambiente e ferem leis de parcelamento do solo, uma vez que os terrenos foram comercializados sem qualquer registro na prefeitura de Iguape e outros órgãos competentes.
“As ocupações realizadas pelos demandados, que envolvem supressão de vegetação e demarcação de lotes, configuram danos ambientais e urbanísticos, e devem ser interrompidas, num primeiro plano, e solucionadas, num segundo, com a remoção de pessoas, coisas e semoventes, bem como a demolição das acessões, benfeitorias e estruturas existentes, com a remoção dos resíduos para local adequado”, afirma a ação.
Para o procurador da República Yuri Corrêa da Luz, que atua no caso, o Vale do Ribeira tem sido, nos últimos anos, palco de práticas e discursos que questionam e violam direitos das comunidades tradicionais. “Com esta ação, fica o recado de que não serão admitidas invasões, ameaças e omissões que coloquem em risco seus territórios. O MPF está atento e vai seguir agindo para garantir a integridade dessa que é uma condição básica de reprodução do modo de vida guarani da região”, destacou.
O número processual da ação é 5000458-81.2022.4.03.6129. A tramitação pode ser consultada aqui.
Leia a íntegra da ação civil pública
Fonte: Ministério Público Federal