O Ministério Público Federal (MPF) defendeu a continuidade das investigações contra Clara Maria de Carvalho Lyra, suspeita de envolvimento na ocultação do patrimônio de seu filho, o empresário Milton Lyra, principal alvo da Operação Combustão. Milton é investigado como líder de organização criminosa voltada a crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, tráfico de influência e lavagem de capitais em prejuízo do fundo Postalis – fundo de pensão dos Correios.
A decisão da 3º Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), seguindo o voto da relatora, desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, concedeu habeas corpus à empresária e suspendeu procedimento investigatório criminal que tramita na 12ª Vara da Seção Judiciária do DF.
O Tribunal entendeu que os documentos trazidos aos autos não foram suficientes para ensejar a deflagração de investigação criminal e medidas cautelares penais contra a investigada. Para a Corte, seguindo o voto da relatora, não ficaram demonstradas, de forma concreta, as supostas condutas ilícitas apontadas na investigação. O MPF, no entanto, em sede de embargos de declaração, defende que a atuação habitual do principal operador do esquema consiste, justamente, em utilizar-se de pessoas e empresas de seu relacionamento para promover o ingresso de dinheiro do exterior, dissimulando ganhos ilícitos.
“As investigações envolvendo o delito de uma organização criminosa que têm, entre seus objetivos, a prática de crimes de lavagem de capitais são, inevitavelmente, complexas e, como tais, devem ser encaradas, de modo que não se pode ignorar todo o modus operandi empreendido por um de seus principais investigados, o filho da paciente”, argumenta a procuradora regional da República Raquel Branquinho Pimenta Mamede Nascimento, que assina o recurso.
Ainda, para o Ministério Público, a exclusão intencional, pela defesa, de todo o histórico da investigação, implicou em prejuízo à análise, pela Corte, das medidas tomadas no âmbito da Operação Combustão, que deram origem às apurações envolvendo a empresária. O recurso também aponta que o trancamento de investigação criminal por meio de habeas corpus é medida de exceção, que, conforme a jurisprudência, não se aplica ao caso.
Operação Combustão – Em 15 de outubro de 2020, foi deflagrada a Operação Combustão, que se refere a investigações conduzidas pelo MPF em conjunto com a Polícia Federal, com o objetivo de desarticular esquema de lavagem de dinheiro e ocultação de provas. À época, foram estimados mais de R$ 87 milhões em prejuízo ao fundo Postalis.
Segundo as investigações, o modus operandi dos criminosos consistia na utilização de pessoas e empresas interpostas, vulgo “laranjas”, para ocultar o real proprietário dos valores ilicitamente recebidos. Ainda, havia a prática reiterada de abertura e encerramento de empresas com o objetivo de ocultar a natureza, localização e movimentação de valores ilegais recebidos pelos envolvidos. Os recursos eram movimentados ao exterior – utilizando, para isso, segundo as investigações, empresa controlada por Milton Lyra.
De acordo com o MPF, não está demonstrado no habeas corpus a ilegalidade das decisões do juiz da 12ª Vara Criminal, que deferiu busca e apreensão e outras medidas contra os investigados, “seja porque os locais objeto de busca e apreensão são referentes a pessoas jurídicas e físicas que serviram de intermediárias para o principal investigado lavar recursos adquiridos de forma ilícita do fundo Postalis”. Para a procuradora, a atuação como “laranja” ou “testa-de-ferro” não é penalmente atípica, havendo uma série de implicações jurídico-penais, como os crimes de falsidade, integração da organização criminosa e o próprio crime de lavagem de capitais.
Embargos – Segundo o MPF, houve omissão intencional da defesa ao juntar aos autos somente os documentos que lhe convinham, no entanto, o contexto das investigações não pode ser resumido ao que foi apresentado pela defesa. Para o Ministério Público, a petição que deu origem à Operação Combustão contém elementos consistentes para fundamentar a legalidade das medidas cautelares que alcançaram pessoas jurídicas e físicas tidas por interpostas em relação ao principal investigado e aos demais envolvidos, inclusive a que foi beneficiada com a ordem de trancamento das investigações criminais.
Sobre isso, argumenta a autora do recurso: “negar a possibilidade de as medidas cautelares atingir pessoas interpostas é ferir de morte a própria apuração do delito de lavagem, comumente praticado pelos criminosos de colarinho branco, os quais se valem de meios cada vez mais sofisticados e fragmentados de diluição dos recursos de origem ilícita, valendo-se de transações e atos jurídicos formalmente regulares, porém escondendo o verdadeiro caráter criminoso dos recursos ali transitados”.
Acrescenta ainda que o art. 4º, caput, da Lei nº 9.613/98 prevê expressamente a possibilidade de as medidas cautelares envolvendo os crimes de lavagem atingirem bens que formalmente estejam vinculados a terceiros.
Outro fundamento dos embargos é a utilização do instrumento do habeas corpus para o trancamento da ação penal, sendo esta medida de exceção, só admissível quando não houver a necessidade de exame valorativo do acervo fático-probatório, conforme entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Para a procuradora regional, “a fundamentação do voto condutor não demonstrou sequer quais trechos dos documentos juntados pela impetrante serviu de base para se concluir pela ‘evidente atipicidade da conduta’ e pela ‘flagrante ausência de lastro probatório mínimo’”.
Assim, o MPF requer a complementação da fundamentação do acórdão para se constatar, de modo evidente, os documentos e elementos que contraditem a hipótese fixada nas investigações, respeitando o devido processo legal, o postulado do juiz natural e da imparcialidade, o contraditório e a ampla defesa, para ensejar, inclusive, a continuidade das investigações criminais paralisadas pelo TRF1.
Por fim, o MPF pede que seja indeferido o pedido de extensão dos efeitos do habeas corpus concedido à Clara Maria em relação a Wagner José Abrahão, ou seja, para que sejam também mantidas as investigações sobre a participação do empresário nos crimes investigados na operação.
Processo Referência: 1061851-42.2020.4.01.3400
Fonte: Ministério Público Federal