O evento, que continua nesta quinta-feira (30), integra a Ação 4/2021 da Enccla, coordenada pelo MPF e pela Associação de Juízes Federais do Brasil (Ajufe), com o objetivo de acompanhar a proposta de LGPD Penal apresentada por uma comissão de juristas e hoje em trâmite na Câmara Federal. De acordo com o procurador da República Pablo Barreto, um dos representantes do MPF na Ação 4/2021, o objetivo do debate é analisar de forma crítica as normas apresentadas e propor melhorias ao texto. “A ideia é efetivamente alcançar o equilíbrio entre o tratamento de dados pessoais necessários às atividades de segurança pública e à persecução penal e o direito à intimidade do titular do dado, dois princípios de estatura constitucional”, salientou Barreto.
O novo arcabouço normativo em discussão na Câmara busca regulamentar o uso e o tratamento de dados pessoais no âmbito da segurança pública, de investigações penais e na repressão de infrações, áreas que não foram contempladas na Lei 13.709/2018 (LGPD Geral). No entanto, o procurador regional da República Bruno Calabrich demonstrou que a proposta tem diversos pontos falhos, os quais contrariam outras leis já existentes sobre o uso de dados pessoais nessas áreas, além de priorizarem a privacidade dos dados pessoais em detrimento da necessidade de eficiência da persecução penal. “A LGPD Penal deve impor limites e formas de controle sobre o uso dessas informações, mas não impedir por completo o tratamento de dados para esse fim. Tem havido uma interpretação equivocada dessa função, que na prática acaba impedindo o tratamento dos dados pelos órgãos competentes”, pontuou.
Segundo ele, essa interpretação equivocada, até mesmo da própria LGPD Geral em vigor, tem levado instituições públicas e privadas a recusarem o acesso do Ministério Público (MP) a dados requisitados com base na Lei Complementar 75/93, para subsidiar investigações conduzidas pelo órgão. Por essa lei, nenhuma autoridade pode negar informações requisitadas pelo MP, ainda que sigilosas, desde que necessárias à condução de inquéritos ou processos judiciais. “A LGPD vem sendo invocada de forma equivocada, criando obstáculos indevidos para as atividades do Ministério Público em sede de persecução penal”, alertou Calabrich. Já a proposta de LGPD Penal, que deveria corrigir esse tipo de equívoco, segundo o procurador, não dá a necessária atenção ao interesse público de eficiência da persecução penal, de proteção de direitos individuais e difusos, de bens jurídicos tutelados pela norma penal, além do direito dos cidadãos à segurança publica.
Um exemplo disso seria o artigo 6º, que permite a um investigado ter livre acesso ao uso que está sendo feito de seus dados pessoais no curso de uma investigação. A medida, de acordo com o procurador regional, pode comprometer a eficácia de uma apuração criminal, quando o sigilo for imprescindível para a responsabilização dos envolvidos. Já o artigo 10 proíbe empresas privadas de tratarem dados pessoais com o objetivo de apurar irregularidades que possam ter consequências na esfera criminal. A norma inviabiliza atividades de compliance, que ajudam a prevenir crimes de lavagem de dinheiro e corrupção, conforme explicou Calabrich.
O artigo 14, por sua vez, exige que o acesso a dados sigilosos seja feito apenas mediante ordem judicial, e somente quando houver indícios de envolvimento do próprio titular dos dados em infração penal. A medida contraria diversas outras leis que já regulam o acesso a dados sigilosos, além de inviabilizar a atuação de agentes da persecução penal.
Obstáculo às investigações – O procurador da República Vítor Cunha lembrou que hoje, com o desafio do avanço das tecnologias digitais, os dados pessoais são a principal matéria-prima para solucionar crimes e punir os envolvidos. Para ele, é necessário criar normas que regulamentem o uso dessas informações pelos órgãos de segurança e de persecução, no entanto, sem criar obstáculos à atuação dessas instituições, que são essenciais para a garantia do interesse público.
O artigo 46 da LGPD Penal, por exemplo, prevê que os órgãos de segurança e persecução penal só podem usar os dados pessoais coletados por outras instituições públicas se ficar comprovado o uso compatível com a finalidade original da coleta das informações. Essa regra, segundo Cunha, vai impedir que o Ministério Público ou a polícia utilizem dados coletados pelo Ibama, Incra ou Secretarias de Meio Ambiente, por exemplo, em apurações de crimes ambientais. “A vedação ao compartilhamento, ou o estabelecimento de critérios muito rigorosos, não observa o equilíbrio que se procura. O ideal é que a lei autorize esse compartilhamento e sobretudo que preveja algumas diretrizes de governança”, complementou.
Outro ponto criticado pelos membros do MPF são os artigos 19 e 20 do anteprojeto, que obriga aos órgãos investigadores informarem ao investigado se o seu dado está sendo tratado em determinado caso, além de exigir uma resposta por escrito sobre os motivos de uma eventual recusa de acesso à informação. Pelo texto atual, os órgãos precisarão ainda informar a data em que o uso dos dados será encerrado, o que implica em dizer quando uma investigação criminal será concluída. “São regras desproporcionais que podem acabar gerando um apagão na persecução penal, com impacto em diversas outras áreas relacionadas, incluindo compromissos internacionais firmados pelo Brasil”, conclui Cunha.
Evento – O webinário sobre a LGPD Penal continua nesta quinta-feira (30), com palestras sobre privacidade digital e segurança pública, técnicas de investigação criminal, combate à lavagem de dinheiro, entre outros temas. Confira a programação completa. O evento começa às 9h e pode ser acompanhado pelo Youtube do Ministério da Justiça.
Fonte: Ministério Público Federal