O procurador-geral da República, Augusto Aras, em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (10), manifestou-se pela constitucionalidade da Medida Provisória 1.045/2021, que instituiu o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda. Lançada pelo governo federal com a finalidade de garantir a manutenção de postos de trabalho durante o período de epidemia de covid-19, a iniciativa prevê diminuição de jornada de trabalho e salário temporariamente por meio de acordos individuais junto aos empregadores, sem necessariamente exigir-se participação dos sindicatos.
O Partido Democrático Trabalhista (PDT) apresentou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.814, afirmando que a MP violaria diversos pontos da Constituição Federal (artigos 1º, IV, 7º, VI, XIII e XXVI, e 8º, III e VI), pois confeririam prevalência dos acordos individuais, celebrados entre os empregadores e os empregados, em relação às regras legais e negociais coletivas.
Ao se posicionar pela improcedência da ação, Augusto Aras sustenta que, ao contrário do alegado pela agremiação partidária, a MP 1.045 prestigia a negociação coletiva como forma de melhoria e de proteção da condição social dos trabalhadores e respeita a previsão constitucional de possibilidade de redução salarial mediante acordo ou convenção coletiva (contida no artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal, aliado ao artigo 7º, inciso XXVI).
Para o PGR, o programa emergencial é uma resposta adequada, necessária e proporcional do Estado ao prolongamento da epidemia de covid-19, que reduziu as atividades ou paralisou setores inteiros da economia e levou o desemprego no país à maior taxa de toda a série histórica. Essas circunstâncias atípicas, no entendimento de Aras, caracterizam a justa causa necessária para a redução salarial ou para suspensão contratual e legitimam a autuação legislativa emergencial e temporária voltada à preservação dos postos de trabalho formais.
Além disso, a norma respeita o princípio do não retrocesso social, pois não revoga nenhum direito social fundamental, mas apenas restringe um aspecto instrumental da proteção do direito ao trabalho, ou seja, a exigência de representação sindical na negociação de redução salarial, de forma provisória.
MP 1.045/2021 – A Medida Provisória 1.045/2021 conferiu a empregadores e empregados, por meio de acordo individual, a prerrogativa de redução da jornada de trabalho com proporcional redução do salário. Ao nível do contrato individual, foram definidas as faixas de redução da jornada em 25%, 50%, 70%, de acordo com o que dispõe o art. 7º, III, da norma, ou 100%, na hipótese de suspensão do contrato de trabalho, prevista no art. 8º da MP. Nesses casos, o programa prevê a contrapartida do governo federal equivalente ao Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, cujo objetivo é compensar parcial, ou totalmente em alguns casos, as perdas salariais.
O trabalhador tem a garantia de emprego na vigência das condições excepcionais e, a partir do restabelecimento da normalidade contratual, pelo mesmo período de duração da redução ou suspensão pactuada.
A adesão ao sistema, por acordo individual, que ultrapasse o limite de 25% de redução de jornada de trabalho e de remuneração, somente é permitida para quem recebe até três salários mínimos, bem como quando do acordo não resultar diminuição do valor total recebido mensalmente pelo empregado, incluídos aí o benefício emergencial, a ajuda compensatória mensal e, em caso de redução da jornada, o salário pago pelo empregador em razão das horas trabalhadas pelo empregado.
A MP estabelece ainda que os acordos individuais deverão ser comunicados pelos empregadores ao sindicato da categoria profissional no prazo de dez dias corridos, e que se, após a pactuação, houver a celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho com cláusulas conflitantes com as do acordo individual, estas prevalecerão, a menos que as condições do acordo individual sejam mais favoráveis ao trabalhador.
O que diz o MPF – Na avaliação do PGR, no cenário atual de enfrentamento das consequências econômicas e sociais da epidemia, é fundamental que se busque maximizar a preservação dos postos de trabalho formais. Nesse sentido, é válido adotar restrições de direitos, desde que estas observem a proporcionalidade, materializando-se como medidas parciais, temporárias e nos estritos limites necessários para proteção de outros valores constitucionais.
“Revela-se proporcional que em nome do [valor social do trabalho] sejam restritos, de forma temporária e excepcional, direitos que, a bem da verdade, sem a sua efetividade sequer podem subsistir, como é o caso do direito à representação sindical em negociação coletiva para fins de redução salarial, do qual somente se cogita no bojo de um contrato de trabalho formal”, pontua Augusto Aras. Ele lembra que as mudanças trazidas pela MP respeitam os valores da dignidade humana e da livre iniciativa na medida em que busca garantir renda mínima ao trabalhador e subsidiar a manutenção da atividade econômica no período de crise.
Um ponto destacado pelo PGR é o fato de que normas de direitos fundamentais, por serem de natureza principiológica e de conteúdo aberto, comportam limitação em prol de outros bens e valores fundamentais que apresentem maior peso num dado caso concreto. A aferição de qual valor ou direito deve preponderar passa pelo juízo de ponderação – o teste de proporcionalidade. “As restrições aos direitos fundamentais, ainda que admissíveis, necessitam limitar-se ao necessário para preservar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos”, complementa.
Adequação, necessidade e proporcionalidade – Segundo o parecer do PGR, a MP é adequada, pois visa absorver parte dos impactos negativos do novo coronavírus sobre o nível de emprego nacional, assegurando a permanência dos trabalhadores em suas vagas, com garantia de renda, bem como sobrevivência dos agentes econômicos. O mesmo se dá quanto à sua necessidade. Porque a obrigatoriedade da chancela mediante coletivo pode limitar o acesso ao programa em relação a classes de trabalhadores não sindicalizadas e, considerando que negociações coletivas tendem a ser mais demoradas do que individuais, também pode retardar as tratativas que exigem urgência e fazer com que empregadores prefiram simplesmente demitir os trabalhadores antes de terem acesso às soluções de manutenção de emprego e renda oferecidas. “Nesses casos, condicionar a participação no programa à existência da negociação coletiva significaria sacrificar por inteiro o direito ao trabalho”, adverte Augusto Aras.
Por fim, pontua o PGR, a norma é proporcional, pois não colocou as negociações coletivas em segundo plano, mas sim atribuiu-lhes preponderância, permitindo que negociações individuais relativas à redução salarial somente prevaleçam no que forem mais vantajosas ao trabalhador.
Íntegra da manifestação na ADI 6.814
Fonte: Ministério Público Federal