O Ministério Público Federal em Erechim, no RS, encaminhou ofício para a Procuradoria Geral da República onde questiona a constitucionalidade do Decreto Estadual nº 56120, de 29 de setembro de 2021, do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, que alterou o Decreto nº 55.882, de 15 de maio de 2021.
O decreto estadual concede poderes para exigir comprovação dos cidadãos gaúchos de vacinação ou de testagem contra a covid-19, para o ingresso e permanência no interior de estabelecimentos, eventos e/ou locais de uso coletivo, o chamado passaporte sanitário. Para o procurador da República, Filipe Andrios Brasil Siviero, tal exigência deveria ser exigida, formalmente, por meio de lei, após amplo debate, e não unilateralmente, por meio de decreto, conforme já se decidiu nos termos da ADIs n. 6.586 e 6.587 e em fundamento na doutrina e Constituição Federal.
De acordo com o autor da representação, tal decreto subtrai do Congresso Nacional atribuição exclusiva em regulamentar questões essenciais que afetam direitos fundamentais, uma vez que a lei n. 13.979/20 não previu determinada possibilidade.
“Não se pode permitir que essa decisão seja tomado por órgão que não seja o Poder Legislativo, pois quanto mais intensiva a restrição ao direito fundamental, maior deve ser a determinação da norma exigida”.
Isso porque, a constatação de uma superioridade funcional da lei parlamentar, da aptidão estrutural do Parlamento para melhor debater e ponderar as questões controversas na sociedade e de um processo legislativo mais formal e laborioso possibilita a conclusão, baseada em pontos de referência constitucionais, de que as questões de fundamentais de uma comunidade, pela sua importância, devem ser regulamentadas pelo Parlamento.
Desta forma, é necessário um amplo debate a fim de se garantir que os destinatários das medidas consintam com estas, respeitando-se o princípio democrático.
Veja-se que a Constituição impede o uso de Medidas Provisórias (art. 62 §1º,I) e Leis Delegadas (art. 68, II) para tratar de assuntos essenciais que afetem à vida da população e que deste modo existe obrigatoriedade de tratamento da matéria de restrição aos direitos fundamentais somente por meio de lei formal e seguindo o processo legislativo próprio do Poder Legislativo.
Ferramenta que pode auxiliar na análise do cabimento das restrições é a teoria da essencialidade, desenvolvida pelo Tribunal Constitucional Alemão desde a década de 70, segundo a qual “as decisões essenciais do Estado, no sentido de as ‘mais importantes’ ou as‘ fundamentais,’ ou a regulamentação dos traços principais de determinados objetos, em observância aos princípios democráticos e de Estado de Direito,são reservadas unicamente ao Parlamento e emitidas por meio de meio de lei formal.
Conforme os Tribunais Constitucional e Administrativo Federal alemão, dois seriam os critérios para averiguar se a questão é de caráter essencial ou não: 1) a relevância da decisão para a realização dos direitos fundamentais; 2) o caráter de controversialidade ou importância política da questão a ser resolvida. E estes requisitos se enquadram justamente na questão do passaporte sanitário.
“O próprio Parlamento tem o dever proteger os cidadãos, sustando os atos normativos que exorbitem o poder regulamentar (art. 49, V, da CF) e resguardar suas atribuições, não podendo delegar ao Poder Executivo uma decisão dessa magnitude”. Conclui a representação “que não há um cheque em branco ao Chefe do Executivo alterando restrições a cada semana ou cada quinze dias, sem uma lei que o ampare”.
Assim, cumpre ser reconhecida e buscada a declaração de inconstitucionalidade do art. 8º-A do Decreto Estadual nº 56120, de 29 de setembro de 2021,do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, que alterou o Decreto nº 55.882, de 15 de maio de 2021, por afrontar o disposto das ADIs 6586 e 6587, as regras fundamentais constitucionais acima delineadas, por inovar no ordenamento jurídico, sem lei formal prévia que estabelecesse o passaporte sanitário em discussão havida no Congresso Nacional, foro responsável pelo debate sobre conteúdo tão essencial sobre os direitos fundamentais.
Fonte: Ministério Público Federal