Acolhendo pedido do Ministério Público Federal (MPF), o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) determinou, no último dia 7, que o grupo de trabalho a ser formado pela União para elaborar o Plano Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos deve ter participação paritária da sociedade civil. Além disso, devem ser realizadas audiências públicas para discussão sobre as violações sofridas por mulheres defensoras de direitos humanos, povos indígenas, comunidades quilombolas e LGBT, pessoas em situação de rua e trabalhadores rurais.
O processo deve contar ainda com a Coordenação Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos e observar o previsto nas convenções internacionais de direitos humanos, principalmente na Declaração de Defensores de Direitos Humanos das Nações Unidas e nas recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Anistia Internacional e do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos.
Histórico – Em 2016, o MPF questionou a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República sobre a demora na elaboração do Plano Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, previsto no Decreto 6.044/2007. Na época, a secretaria justificou que não poderia cumprir a recomendação, pois a Administração Pública federal estaria em processo de reestruturação. Como havia passado nove anos desde a publicação do decreto, o MPF ajuizou ação civil pública, em 2017, para que a Justiça sanasse a omissão. Naquele mesmo ano, a 4ª Vara Federal de Porto Alegre negou o pedido.
Além de apelar para o TRF4, o MPF buscou soluções para que o plano fosse elaborado. Levou o processo para o sistema de conciliação do próprio Tribunal e realizou audiência pública em 18 de maio de 2018 na sede da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, unidade de segunda instância do MPF localizada na capital gaúcha, que contou com a participação de cerca de cem pessoas. Estiveram presentes representantes de órgãos públicos cuja atribuição se relaciona com o tema, tanto em âmbito nacional quanto estadual, de organizações não governamentais e de movimentos sociais. “Para dar transparência a esse processo, temos aqui representantes do tribunal e da Advocacia Geral da União. Buscamos a conciliação, mas, se não for possível, seguiremos”, afirmou o procurador regional da República Paulo Gilberto Cogo Leivas na época, destacando ainda tratar-se de um caso de litígio estratégico, capaz de mostrar à sociedade a importância do plano de proteção permanente a defensores de direitos humanos no Brasil.
Já no parecer anexado ao processo judicial e encaminhado ao TRF4, o MPF seguiu defendendo que, ao contrário do entendimento do juiz de primeira instância, a elaboração de uma proposta de Plano Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos não havia sido atendida com o Projeto de Lei 4.575/2009, até porque o projeto estava parado na Câmara dos Deputados. Da mesma forma, o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, criado pelo Decreto 8.724/2016 e regulamentado pela Portaria MDH 300/2018, não substituía o plano, uma vez que tinha finalidade mais restrita: articular medidas para a proteção de pessoas ameaçadas em decorrência da atuação na defesa dos direitos humanos. Além disso, o decreto não teria contemplado a participação das organizações da sociedade civil.
Ainda em sua manifestação, o MPF lembrou que foram muitas as insuficiências apontadas pelos participantes da audiência pública quanto à proteção estatal aos defensores de direitos humanos e que organismos e entidades internacionais demonstraram preocupação com a crescente violência em muitos países, em especial o Brasil. Para finalizar, apontou que as tentativas de conciliação com a União chegaram a um impasse, o que levou à necessidade de decisão judicial.
Em maio deste ano, por maioria, a 3ª Turma do TRF4, em formato ampliado, julgou procedente o pedido do MPF, obrigando a União, por intermédio da SEDH, a elaborar o Plano Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Tanto a União quanto o MPF recorreram desta decisão, solicitando aos desembargadores que alguns pontos ficassem mais claros.
No julgamento da última quinta-feira (7), o TRF4 acolheu a parte dos pedidos do Ministério Público Federal que buscava a determinação de critérios mínimos a serem observados pela União na elaboração do plano. Confira a íntegra abaixo:
A União deverá observar no processo de elaboração do Plano Nacional de Proteção de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos o seguinte:
• contar com a participação da Coordenação Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, criada pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, transformado no Conselho Nacional dos Direitos Humanos, pela Lei n.º 12.986/14;
• observar o previsto nas convenções internacionais de direitos humanos, por força do art. 2º, § 1º da Lei n.º 12.986/14, segundo a qual “Constituem direitos humanos sob a proteção do CNDH os direitos e garantias fundamentais, individuais, coletivos ou sociais previstos na Constituição Federal ou nos tratados e atos internacionais celebrados pela República Federativa do Brasil”, notadamente na Declaração de Defensores de Direitos Humanos das Nações Unidas e as Recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Anistia Internacional e do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos;
• instituir grupo de trabalho com composição paritária, incluindo a participação de representantes de outros órgãos da administração pública e organizações da sociedade civil com expertise na proteção das defensoras e defensores de direitos humanos, em especial as entidades que atuaram como amicus curiae nesta ação (Associação Artigo 19 Brasil, Justiça Global, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e Terra de Direitos), contribuindo para a construção coletiva do Plano Nacional de Proteção de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos; e
• realizar audiências públicas com participação da sociedade civil para discussão acerca das violações de direito sofridas pelos defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil na defesa, entre outros, das mulheres defensoras de direitos humanos, povos indígenas, comunidades quilombolas, comunidades LGBT, pessoas em situação de rua e trabalhadores rurais, apurando suas reais necessidades para o desempenho das funções, cujos dados apresentados deverão ser considerados como balizadores para a formulação das disposições do Plano Nacional de Proteção de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos.
Confira detalhes do processo no site do TRF4: 5005594-05.2017.4.04.7100
– Íntegra do acórdão (TRF4)
– Íntegra do voto do desembargador relator (TRF4)
Fonte: Ministério Público Federal