Racismo na atividade policial, violência sexual contra meninas e mulheres privadas de liberdade, revistas vexatórias, flexibilização do comércio de armas, vacinação obrigatória para agentes penitenciários dos presídios federais, defesa da ordem democrática. Essas foram algumas das pautas de atuação da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional do Ministério Público Federal (7CCR/MPF) em 2021. Por meio de notas técnicas, recomendações e eventos, o órgão superior do MPF debateu políticas de segurança pública, defendeu melhores condições para a população carcerária e trabalhou para coibir e punir eventuais abusos policiais.
Em audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmaras dos Deputados para debater a situação dos presídios e o combate à tortura no Brasil, o coordenador da 7CCR, subprocurador-geral da República Francisco Rodrigues dos Santos Sobrinho, destacou que o órgão superior do MPF reforçou o diálogo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e abriu canais de comunicação com a ONU, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e o Tribunal de Contas da União (TCU). Além disso, afirmou que o MPF tem investido na promoção de espaços de diálogo com instituições da sociedade civil e do sistema de Justiça e execução penal.
Em outro debate, também organizado pelo Observatório Parlamentar de Revisão Periódica Universal (RPU) da ONU para avaliar o cumprimento, pelo Brasil, de 16 recomendações voltadas ao aprimoramento da segurança pública, a 7CCR reconheceu que é necessário aprimorar o controle externo da atividade policial, com investigações mais céleres e transparentes. Segundo o procurador da República Eduardo Benones, indicado para participar do debate pelo colegiado, entre as principais dificuldades estão a falta de ofícios específicos de controle externo dentro dos Ministérios Públicos, a resistência da Polícia em ser fiscalizada e as ameaças que coíbem denúncias e o próprio andamento das investigações.
Para garantir a segurança de presos e agentes penitenciários, a Câmara do MPF divulgou nota técnica em que defende a obrigatoriedade da vacina contra a covid-19 para os policiais penais e demais trabalhadores que atuam nos presídios federais. O documento propõe o afastamento das atividades e a responsabilização por infrações disciplinares e criminais de policiais penais que não tenham completado o esquema vacinal. O MPF também cobrou a regulamentação do tema pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
Além disso, lançou a coletânea eletrônica Revista Vexatória e Violência de Gênero: Desafios à Proteção de Direitos Humanos no Acesso de Visitantes a Unidades Prisionais e na Permanência destes nessas Unidades. A publicação reuniu seis textos de especialistas sobre temas como relações de poder, gênero e violência na revista íntima; as diferenças na revista quando o visitante é homem ou mulher; o abandono afetivo e familiar de mulheres encarceradas; as alternativas para superar a revista vexatória, entre outros. A coletânea traz informações que podem levar à revisão de práticas adotadas no sistema prisional, de modo a garantir a aplicação do preceito constitucional da dignidade humana em presídios.
Eventos – Com o objetivo de discutir os conceitos de racismo, apresentar estudos sobre o impacto de práticas discriminatórias na atividade policial e no sistema prisional, além de falar sobre formas de superar o problema, incluindo o papel das academias de polícia e da formação de policiais nesse enfrentamento, a 7CCR promoveu, em outubro, o seminário Racismo e Segurança Pública: Conhecer para Enfrentar.
O evento virtual foi organizado pelo Grupo de Trabalho Interinstitucional contra o Racismo na Atividade Policial e reuniu membros do Ministério Público, integrantes das polícias Federal e Rodoviária Federal, dos Conselhos Nacional do Ministério Público (CNMP) e de Justiça (CNJ), representantes de organização da sociedade civil, estudiosos e especialistas. Os participantes do debate defenderam que é preciso falar sobre racismo, documentar suas práticas e analisá-las para enfrentar o problema de forma eficaz, especialmente a discriminação que interfere nas atividades policiais e de segurança pública.
Em novembro, a 7CCR realizou o debate virtual Controle Externo e a Atuação do MPF com a Flexibilização da Compra de Armas. Especialistas analisaram aspectos como a legalidade da regulamentação da matéria por atos infralegais e os impactos das medidas na segurança pública e no controle externo da atividade policial. Membros do Ministério Público brasileiro e da Polícia Federal, entidades da sociedade civil e representantes dos Ministérios da Justiça e da Defesa participaram do evento, que teve como foco a atual política do governo federal de facilitar o acesso da população a armas e munições.
A posse, a venda e o registro de armas de fogo no Brasil são regulamentados pelo Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003). Desde a edição da regra, no entanto, mais de 30 atos normativos ampliaram o acesso de cidadãos a armas e munições, com reflexos ainda não completamente mensurados na sociedade brasileira. As leis mais recentes sobre o assunto são de 2019 e alteram diversos trechos do Estatuto do Desarmamento. Em 2021, quatro decretos flexibilizaram ainda mais as regras, mas boa parte dos dispositivos está suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de cautelares concedidas em ações diretas de inconstitucionalidade. O cenário é visto com preocupação por especialistas em segurança pública, que apontam dificuldades para realizar o controle e rastreamento dos dispositivos de forma eficiente.
Direitos Humanos – Por meio do Grupo de Trabalho Interinstitucional Defesa da Cidadania, a 7CCR atuou para proteger os direitos humanos da população carcerária; ampliar o debate acerca da Lei de Segurança Nacional e garantir a independência do Ministério Público nas investigações de mortes decorrentes de ações policiais. O GTI buscou, ainda, aprimorar as investigações de enriquecimento ilícito de agentes públicos que atuam no âmbito da segurança pública e alertar sobre a violência sexual contra meninas e mulheres privadas de liberdades. As preocupações foram externadas por meio de cinco notas técnicas divulgadas ao longo de 2021, além de outras iniciativas.
Em janeiro, o Grupo se manifestou contrariamente a um projeto de lei municipal que previa o trabalho de pessoas condenadas em cemitérios, clínicas de reabilitação para dependentes químicos, hospitais psiquiátricos, parques e jardins, na cidade do Rio de Janeiro. Em nota técnica enviada à Câmara de Vereadores, o grupo frisou que o Projeto de Lei 2012/2020 fere a Constituição, pois viola a competência privativa da União para legislar sobre matérias do Direito Penal. Além disso, colide com a Lei de Execução Penal (LEP) e com o Código Penal.
Em abril, o GTI questionou o regime de urgência em discussão para votar, na Câmara dos Deputados, o substitutivo ao Projeto de Lei 6764/2002, voltado a fixar crimes contra o Estado Democrático de Direito e revogar a Lei de Segurança Nacional (Lei 7170/1983). Na avaliação do Grupo, a retirada da urgência permite o debate mais amplo do projeto e evitaria riscos de agravamento da criminalização de defensores de direitos humanos, com efeitos sobre a democracia. A nota técnica alertou ainda para alguns riscos da proposta, como os desvios na caracterização do terrorismo, o que poderia fomentar perseguições políticas e fragilizar o Estado de direito.
Em maio, indícios de execução sumária de cidadãos e de adulteração de cenas de crime em operação policial no bairro carioca do Jacarezinho, em 6 de maio, levaram o Grupo de Trabalho a enviar ao Ministério Público do Estado do Rio (MP/RJ) um ofício pedindo uma investigação independente, com apoio da Polícia Federal (PF). A ação resultou na morte de 27 civis e de um policial. No documento, o grupo alertou para a necessidade de prevenir novos casos de impunidade, como ocorreu no caso das execuções sumárias em incursões policiais na favela Nova Brasília (1994/1995).
Também em busca de resultados mais efetivos para as investigações de mortes decorrentes da ação policial, o GTI enviou ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em junho, nota técnica em que sugere a adoção de um novo modelo de apuração. Pela proposta, o Ministério Público investigaria de forma direta e independente da força pública envolvida na ocorrência. O documento pretende contribuir para o debate, pelo CNMP, de proposta de resolução que disciplina o controle externo da atividade policial e o controle externo da investigação de morte decorrente de intervenção policial (Proposta de Resolução 7/2021).
Em outubro, o Grupo de Trabalho Interinstitucional Defesa da Cidadania elaborou nota técnica sobre a obrigatoriedade de instauração de sindicância patrimonial quando houver processo disciplinar que apure crime de corrupção passiva. A ideia é investigar possíveis evidências de enriquecimento ilícito ou evolução patrimonial incompatível com a remuneração recebida por servidores públicos da área da segurança. O GT afirma que a subutilização desse instrumento de investigação é um dos fatores que possibilitam a infiltração do crime organizado na administração pública, principalmente nas forças de segurança.
Outro tema abordado pelo Grupo Interinstitucional foi a violência sexual contra meninas e mulheres privadas de liberdade no estado do Rio de Janeiro. Em nota técnica divulgada em novembro, o Grupo defendeu a criação de fluxos que previnam essas ocorrências e apontou os cuidados a serem prestados às vítimas. Alertou, ainda, para o despreparo do Departamento-Geral de Ações Socioeducativas e da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária para lidar com os eventos de modo adequado. Entre os principais problemas identificados estão a custódia de meninas e mulheres por agentes socioeducativos e policiais penais homens, a ausência de protocolos de assistências às vítimas, e a revitimização e os riscos de retaliação às vítimas.
Administrativas – Durante todo o ano de 2021, foram realizadas dez sessões de coordenação e 20 sessões de revisão, com a deliberação de 800 procedimentos no total. Não houve alteração na composição da 7CCR no ano passado. O subprocurador-geral da República Francisco Rodrigues dos Santos Sobrinho é o coordenador do colegiado, composto ainda pelos subprocuradores-gerais Ela Wiecko e Luciano Mariz Maia, como membros titulares. Como suplentes, atuam os procuradores regionais Marcelo de Figueiredo Freire, Maria Emília Moraes de Araújo e Paulo Gilberto Cogo Leivas.
Fonte: Ministério Público Federal